Cicloturismo pelo Brasil
Por: Marcelo Lemos Porto Alegre - sexta-feira - 21-05-10 Certa vez li em uns dos livros do Amyr Klink que o maior risco de uma aventura é não partir… Acredito que toda a aventura já inicia no exato momento que concebemos aquela ‘’idéia muito louca’’ tipo a que nos levou a percorrer de bike os 220 km da praia do Cassino e que posteriormente se desdobrou em outra idéia mais louca ainda, quando repetimos o percurso a pé…mas com certeza é somente quando pegamos a estrada que o sonho se materializa, o que torna a partida o mometo mais crítico. E isto acaba conferindo a este ao primeiro passo, um caráter simbólico, um marco, pois expressa toda a expectativa, ansiedade e esforço demandado no desenrolar do projeto, e por si só já representa um grande feito. Já o risco do não realizar, do fracasso, é diretamente proporcional a nossa capacidade de sonhar, de ousar e de se expor, cabe a cada um de nós decidirmos em que acreditar e o quanto apostar. Feito está consideração, gostaria de comunicá-los que hoje é um destes dias simbólico, pois depois de muito planejamento, avanços e retrocessos, iniciei um antigo projeto, que une a paixão pela bicicleta, o gosto pela aventura e a pretensão de conhecer um pouco do nosso Brasil. Digo pretensão visto a vastidão territorial e a diversidade cultural do nosso país e o escasso tempo que disponho, estimado em não mais que 90 dias na estrada. É estimado porque não tenho comprometimento com metas pré-estipuladas ou recordes. O meu objetivo principal é deliberar sobre o tempo e espaço que disponho, respeitando é claro as dificuldades do caminho e as minhas próprias limitações, assim, dentro do possível, ao longo da viagem vou decidir aonde ficar, o quanto ficar e pra onde seguir… Isto não quer dizer que não tenho um rumo, tracei um esboço que se divide em três etapas, sendo: 1º Etapa – Saída de Porto Alegre-RS, com destino a serra gaucha, mais específico pra Cambará do Sul. Visitar os cânions e depois descer para Torres - RS. Sempre pelo litoral cruzar os Estados de SC, PR, SP até a cidade de Parati-RJ. Este deslocamento em torno de 1300 km deverá ser percorrido de bicicleta, via estradas secundárias, estimado em 45 dias, incluindo dias de descanso e visitação. 2º Etapa – Basicamente esta etapa se concentra na antiga rota colonial das minas gerais, ‘’Estrada Real’’, hoje rota turística, que parte de Parati-RJ até Diamantina-MG, em torno de 700 km. Este percurso será realizado com vários deslocamentos de ônibus, o foco principal é conhecer as cidades históricas e não passar tanto tempo na estrada. Estou prevendo em torno de 20 dias. 3º Etapa – Rumo ao sertão da Bahia. Ainda não estudei esta rota de deslocamento que será quase toda de ônibus até a região da Chapada Diamantina, onde vou concentrar o tour de bike. Para esta etapa estou prevendo mais 20 dias, finalizando a viagem junto ao Rio São Francisco, 800 km. É claro que viajar sozinho tem as suas desvantagens, exige muito mais atenção, pois o radar está sempre ligado e isto consome muita energia, também não é possível dividir simples tarefas diárias e por ai vai. Mas o positivo é que uma pessoa desacompanhada interage e se insere bem mais ao meio, também é vista como menor risco. Outra questão relevante é a magia do cicloturismo, sendo a bike uma forma de deslocamento tão popular e acessível, acaba instigando aquela vontade de sair por ai despretensiosamente, e assim o ciclista ganha notoriedade e transcende a condição de mero forasteiro, angariando admiradores e apoio por onde passa. Outra questão relevante é a possiblidade de comunicação via email que me proporcionará compartilhar esta experiênca com todos vocês, bem diferente da vez que pedalei pelo Uruguai, que apesar de ter sido um passeio incrivel, ficou somente na minha mente, e hoje as recordações sem um monólogo meio sem graça, mas agora convido a todos a acompanharem essa trajetória e automaticamente vamos construindo esta história. Em linhas gerais este e o projeto da viagem, será um misto de aventura, turismo e peregrinação, pois o que não faltará é tempo para contemplação e reflexão neste vôo solo. Mas como falei, tudo ainda não passa de uma pretensão, vamos deixar o tempo se encarregar do resto. Um grande abraço a todos. a Bike Cambara do Sul- RS - Sabado 22-05-10 Aqui está chovendo e muito frio. A noite acordei e peguei a garrafa pra tomar agua e parecia que tinha saido da geladeira. Como estou sozinho no camping me instalei na área coberta da cozina com luz e tudo mais a minha disposição. Acordei com um pouco de frio e almocei as 9.3h, miojo com seleta..hehehe! Agora ao meio dia vou de bike visitar o canion do itaimbezinho. Area de Camping em Cambará do Sul ** Cambara do Sul- RS - Domingo 23-05-10** Sai antes do meio dia da cidade em direção ao Caniôn do Itaimbezinho, a chuva continua, vento forte e um pouco de frio, mas vamos lá. Logo começou o sobe e desce, estimei levar em torno de duas horas…nas subidas fortes eu descia da bike e nas ladeiras não dava pra embalar pois é muito cascalho e barro…parei pra fazer um lanche e segui em frente…encontrei um gaucho a cavalo que me infomou que faltava 5km, depois disso encarei as piores subidas, algumas com mais de 2lm, a chuva apertou e estava com os pés molhados, a capa estava segurando bem a agua, então me mantinha quente….pensei em parar mas estava perto, cheguei a portaria as 2.15h…o pessoal me informou o caminho da trilha mais próxima e que deveria ir rápido pois a agua estava quase interditando um pontihão….resolvi ir a pé pra descançar da bike, me arrependi, foram meia hora de marcha acelerada até o mirante…o lugar é incrivel, parecia que estava nas nuvens, sobe muita agua do penhasco, devido a diferença de pressão, e mais a chuva forte, não pude ver muta coisa, mas foi muito legal. Mal deu tempo pra ajustar os freios e comecei o retorno, sabia que a volta seria mais cansativa….no caminho tentei pensar em algumas coisas pra destrair, fiquei refletido o quanto a natureza é perfeita e o quanto nos seres humanos somos parte desta natureza, pois parece que estamos muito separados desta harmonia, os lugares ainda preservados são justamente os restritos ao homem, áreas ambientais e coisa do gênero….talvez sejamos todos nós um virus que veio do espaço pra detonar contudo, segundo a teoria do Ruberto… Passava um pouco das 6h e já estava de volta, foi uma boa pedalada, testei o equipamento e o condicionamento físico que não esta nada mal. Hoje domingo é folga pra descançar, passear pela cidade e comer um bom churrasco, amanha de manhã sigo de onibus até Praia Grande. Bike em Frente a Rodoviaria de Cambará **Cambará do Sul-RS até Sombrio-SC - Segunda Feira dia 24-05-10 ** Deixei Cambará as 10h da manha, chove as quatro dias. Acabou que vou pela rota que havia pensado, serra do faxinal, só que ônibus. Passei novamente pela portaria do parque do itaimbezinho, e depois disso ainda teve várias subidas muito longas e ingrimes…E um lugar muito bonito, e perigoso sem nenhuma margem de erro, sem área de escape, e de uma hora pra outra a neblina toma conta e a visibilidade é pouco mais que alguns metros. Marcelo na saida de Cambara do Sul Conversei com um pessoal que estava na rodoviária sobre as condições da estrada de Praia Grande até o litoral, e me informaram que não tem acostamento, e foi isso que confirmei, resolvi ir de ônibus até Sombrio. Este pessoal estavam visitando parentes pois foram para outra região procurar trabalho, o que percebi da cidade é que a vida aqui não é nada fácil, pra quem tem grana e investiu no turismo é uma boa, mas são várias as casas modestas, e sem grande conforto pra enfrentar esse rigoroso inverno. Na Serra do Faxinal é só descida mesmo, com certeza de bike iria faltar freio, naquele dia no itaimbezinho desgastou as balacas do freio traseiro… Já chegando em Praia Grande já é possível notar um ar de mais prosperidade, boas casas e um comércio agitado. Cheguei em Sombrio ao meio dia, encarei um prato feito e comecei a montar a bike, que desta vez está bem menos desmontado, pois descobri que os onibus pequenos tem um bagageiro bem lá no fundo que atravessa de lado a lado o ônibus e acomoda bem uma bike… Notei que tinha um senhor que falava sozinho, mas eu também falo sozinho de vez enquando, então não dei bola, logo ele puxou assunto, com as perguntas básicas, pra onde vai, da onde veio…conversamos bastante durante eu desenvolvia o serviço de montagem e amarração da bagagem, por fim ele falou pra que eu aproveitasse bastante a vida, e que daqui a uns 10 anos me lembraria com saudade do passado, e quando isto acontecesse que eu rezasse uma prece pra ele pois poderia ele não estar mais nesse mundo…vou anotar pra fazer isto daqui uns dez anos… Me dirigi para o Balneário da Gaivota, uns 10 km, tudo plano. Custei a achar o camping que estava fechado, conversei com um vizinho que informou a casa do dono, achado o local, não vi ninguém, resolvi esperar até as 4h….mais tarde chegou o seu Paulo, que de pronto me disponibilizou o local e não cobrou nada pela estadia…. mais uma vez me instalei na área coberta. Balneario Gaivotas **Sombrio-SC ——–Morro dos Conventos-SC terça feira 25-05-10 ** Logo que amanheceu o seu Paulo apareceu com um pedreiro para pegar umas portas de vidro, ajudei a colocar no carro e fui até a sua casa pra ajudar a descarregar, me apresentou a sua família como o aventureiro, nos despedimos e por fim me disse que poderia ficar lá na volta novamente…é a magia do cicloturismo e do espírito de quem gosta da prática de acampar, sempre bem mais solidário. Morro do Convento Depois de pegar várias informações, pois é sempre bom perguntar várias vezes, pois tem gente que se engana e outras que fazem questão de informar errado mesmo, resolvi encarar a estrada de chão que via em direção a Morro dos Conventos…Rodei uns 8 km e a estrada cada vez ficava pior, o câmbio trancou e fiquei só nas marchas pesadas, então parti em direção ao mar. A praia estava um pouca alta, mas ainda firme, o vento começa a mudar pra sul e logo daria viração. Lembrei das bikes carregadas na paria do cassino e o nordeste nos empurrando…Cheguei em Conventos depois da 1h, e me dirigi ao único camping, enorme, até com piscina, fui muito bem recebido e logo me instalei e sai pra visitar o farol e arredores. Aqui tudo é muito organizado e limpo, as casas são todas ótimas construções, é um padrão mais alto. Convesei com o pessoal da limpeza da rua, que me falaram que trabalham para um cara que empreita o serviço da prefeitura, e que contrata eles terceirizados…,é a velha história de fazer mais com menos e repassar o custo para outros, geralmente quem paga o pato é menos favorecidos…. Já havia feito a janta e me aprontava pra dormir quando apareceu o vigia que estranhou achar alguém acampado nesta época, conversamos um bocado, ele foi bom ter um pouco de companhia , era uma pessoa muito simples e de bom papo, lembrei do pessoal lá da Barra do Ribeiro-RS, lugar que muito me agrada justamente pela simplicidade… **Morro dos Conventos até Cabeçudas, Trevo de Laguna quarta Feira 26-05-10 ** Hoje decidi encarar a temida BR-101, precisava imprimir um ritmo de pedalada, uma cadencia, e a estrada de chão não permitias isto, e a bike está muito pesada e gera um esforço a cada arrancada….Parti as 9h. Logo estava na br, que embora algumas obras está com bom acostamento e quase toda duplicada…Calibrei os pneus e regulei o banco, e logo estava em Araranguá, cruzei pelo centro, fui ao banco e voltei a br, é uma cidade muito organizada, sinalizada e sem perguntar nada entrai e sai facilmente. Na br o vento estava a favor e imprimia uma boa velocidade, o clima estava muito agradável, e não quis parar pra almoçar. Num dos viadutos um cara que vinha a pé me perguntou se tinha visto algum restaurante no meu caminho…logo percebi que eram dois, tinham uma aparência de andarilhos, mas parei pra conversar….falaram que estavam descendo pro Sul, estavam no trecho a um bom tempo, não carregavam quase nada, e um deles me disse que foi de Joenville ao RJ a pé em 61 dias…isto é que é peregrinação! Perguntei o que eles comiam, um respondeu: - Pedimos nos restaurante, ninguém nega comida no trecho… Conversamos mais um pouco, dei a eles um pacote de bolacha e um pouco de atenção e creio que ficaram muito contentes….São estes alguns das várias pessoas invisíveis que lotam as grandes cidades e andam por este mundão a fora, é por estas e outras que me sinto um privilegiado… Segui meu caminho, alguns carros e vários caminhões buzinavam com um tipo de saudação, assim como os caras que encontrei que se intitularam ‘’trecheros’’ acho que de certa forma eles me identificam como parte desta categoria. Passei por dentro da cidade de Tubarão, ou parte dela, ruas estreitas e pouca sinalização. Quando cruzei um viaduto, percebi dois malandros a espreita e um veio bem na minha direção, apertei o passo e empurrei a bike na direção de um deles, e logo os deixei pra trás, tratei de ir embora e pegar a br novamente…. O sol já estava indo embora e precisava achar um lugar pra parar, me informaram dos posto da ‘Cabeçudas’ ou algo do gênero, estava muito cansado mas tinha que seguir em frente. A estrada piorou muito, não mais duplicada. Conversei com o pessoal da manutenção da estrada que me deram algumas laranjas e informaram que as pontes estavam próximas….escureceu rápido, e logo avistei a lagoa e uma enorme ponte sem acostamento…fiquei com receio de passar, mas não tinha jeito, passei pela área da linha dói trem é dividida da ponte apenas pela mureta, estava escuro mas seguro… Chegando ao posto, notei muito movimentação urbana, e não quis arriscar acampar ali, fui até o Hotel e depois de chorar um pouco ocnsegui me hospedar por 40 reais com café… Devo ter pedalado em torno de 90 km ou mais, ontem forma só 45 km, será muito bom uma noite numa cama pra repor as energias. **Cabeçudas, Trevo de Laguna até Garopaba-SC quinta feira 27-05-10 ** Amanhecer no Hotel Trevo de Laguna Quando sai do Hotel, notei que estava a poucos metros do trevo de laguna, mas seriam mais uns 6km até a praia, e rodar a noite é um risco grande e desnecessário. Como o trecho para este dia seria curto sai sem pressa, o dia continuava agradável e a bike muito redonda….Cheguei ao trevo de Imbituba mas não quis chaegar, pra poupar energia e aproveitar a praia…Passava do meio dia quando alcancei o trevo de Garopaba, mais 15km e estava na cidade, uma linda enseada, rodeada por morros, um forte comércio. Avistei o mar, e entendi o porque o pessoal se desloca de Poá pra estas bandas, aqui é muito bonito mesmo…descansei um pouco e tratei de garimpar um camping , depois de várias tentativas achei o camping Garopaba, e o Sidnei me recebeu muito bem, cobrou 15 reais, esperando um choro, mas achei justo visto que estava tudo fechado na cidade…conversamos um pouco por enquanto me mostrava o local, então me ofereceu um pequeno quarto, pelo mesmo preço, aceitei e agradeci a oferta, mais uma vez a solidariedade em ação….Rapidamente me instalei e fui conhecer a cidade, pretendo sair bem cedo amanhã…pois o tempo está mudando… Na BR 101 A Bike na bela Garopaba **Garopaba-SC - Sexta Feira 28-05-10 ** Amanheceu chovendo muito, e senti esta noite dores nas penas, resolvi ficar um dia mais por aqui, descançar, ajustar a bike e atualizar os emails, amanhã pretendo chegar bem próximo a Floripa, pois não quero entrar na cidade a noite. **Garopaba até Floripa 29-05-10** Ontem aproveitei o tempo livre e conversei com o pessoal que está aqui camping. Um deles é um senhor que vive por aqui já a um ano e meio, me contou um pouco sobre uma das suas viagens pela Eurpo, quando alugou um carro em Portugal e rodou pela Espanha e França…falamos sobre o meu roteiro e ele fez ótimos comentários e deu algumas dicas. Também falou que atualmente possui um fiorino adaptada e faz desde seu motor-home, e que já esteve no deserto do Atacama mas que ainda gostaria de pegar a Panamerica, mas reconhece que é perigoso e que lhe falta um bom companheiro visto que já está chegando as 80 anos mas aparente bem menos. Está última noite cheveu bastante, resolvi ir para Floripa de onibus, visto que a BR-101 está com várias obras neste trecho. Arrumei as coisas com calma e medespedi do pessoal. Peguei o onibus das 9:30h, o motorista alegou que o bagageiro traseiro estava ocupado, mas sem problemas acomodei toda a bagagem nas laterais. Realamente seria difícil rodar neste trecho da BR 101, ainda tem uma pequena serra sem nenhum espaço no acostamento. Chegando na rodoviária, acessei a internet e pesquisei sobre os campings abertos, um no Campeche e outro na Conceição, como não conheço nada por aqui rumei pra o Campeche. Em Floripa Não quis passar pelo túnel, e assim que contornei o morro um biker me avisou que havia uma ciclovia na beira mar. Perguntou se eu estava em Floripa para a corrida, ficamos quase uma hora conversando, contou da sua viagem de Araranguá-SC até Tres Coroas-RS, nas suas palavras, “comi o pão que o diabo amassou em certo trecho em Osório, pneu furado, pista sem acostamento, mas viajar de bike é muito legal”. Nos despedimos e segui pela ciclovia que logo acabou. Me senti então em Porto Alegre, disputando espaço com os carros e foi difícil achar o tal camping, que não era ruim mas não havia nada por perto e fiquei bastante isolado. **Florianopolis - 30-05-10** Quando amanheceu já estava decidido a levantar acampamento, rumei para a lagoa da conceição, foi fácil o deslocamento pois era domingo muito cedo. No caminho não sei bem em que local, vi um cara saindo de um mato num a atitude meio suspeita, fiz que notei e segui em frente, logo ouvi um barulho e um macaco daqueles bem pequeos caiu de um posto bem perto de mim, já havia visto um destes no Campeche…fiquei curioso pra saber o que iria fazer com o pobre animal mas segui o meu caminho. Facilmente achei o campoing, Florianopolis é uma cidade fácil de se orientar, me instalei rapidamente e fui aproveitar a mnha na praia da Joaquina, que tinha ótimas ondas, e os surfistas pareciam um bando de focos na aguá. Praia da Joaquina Na tarde circulei bastante de onibus, fui até o norte da ilha e a noite aproveitei o movimento do comércio da lagoa e voltei para o camping, que estava sem luz. Achei a minha pequena lanterna e me recolhi. Lembrei da vez que fiz uma incursão a remo pelo rio guaiba, durante quase uma semana fiquei isolado de tudo acampando aonde bem intendia , numa destas estava na praia da faxina, e a minha lanterna quebrou então fui dormir na baira da praia, estava uma noite muito escura, e conseguia sentir o cheiro da urina das capivaras que rodevam o local, nesta viagem ainda vi uma lontra e um tipo de pequena rapousa, é difícil de acreditar que existe este tipo de coisa perto de uma cidade tão grande. **Floripa até Bombinhas - 31-05-10 ** Último dia do mês e onze dias na estrada, o tempo está passando depressa. Parti do camping da Conceição e peguei o mesmo caminho, contornando o morro que vai direto para o centro. Esse trecho foi bem demorado, pois havia muito movimento. Atravessei a ponte com facilidade, um cara me pediu um real, disse que não tinha de pronto, pois não quis demonstrar intimidação, ele se virou para ir embora, então disse que tinha umas moedas. Estava em dúvida por que lado sair para a BR, então esse mesmo cara voltou e me mostrou o caminho, advertindo para que eu não saísse na contramão pois havia um posto da polícia. Desse trecho até uns 5 km sofri muito com a falta de acostamento. Logo que peguei a BR avistei outro viajante de bike, era um Senhor com uma barba amarrado com um elástico e com uma barra circular sem marcha. Nos apresentamos e começamos um longo papo. Contou que estava em Floripa para tentar arrumar a aposentadoria. Vive de artesanato, e está no trecho há 32 anos, já foi dono de um circo, mas segundo ele fez um casamento errado e perdeu tudo. Estima já ter andado mais de 80.000 km, já foi até o México, talvez por isso que se apresentou como o Mexicano. Contou que na época da ditadura foi muito perseguido, apanhou muito dos milicos, pois era visto como desordeiro e vagabundo, ainda mais que passou alguns anos no Uruguai onde a repressão era ainda maior. Deu algumas dicas e recomendações, uma delas era para não usar barraca, pois é coisa de turista e chama muito a atenção dos malandros, outra para tomar café com limão contra a gripe, bem que eu acho que ele toma limão é com outra coisa. El Mexicano Segui o meu caminho e mais adiantei encontrei outro andarilho, parei para conversar enquanto comíamos umas bananas. Falou que estava indo para BH, pois brigou com a família em Quintão-RS. O que notei é que assim como os outros dois que falei dias atrás, são pessoas jovens, que já estão com o presente e futuro comprometido frente a falta de oportunidade e demais circunstâncias da vida. Estava me deslocando muito rápido, o vento era forte e totalmente a favor, tinha que me policiar para não acelerar demais e queimar muito energia desnecessária. Parei no trevo de Tijucas e logo se apresentou a entrada para Porto Belo e Bombas, olhei no mapa e conferi que era perto, se caso não achasse um lugar para ficar poderia ir até Itapema. Triste engano, o mapa é planta baixa e não mostra o relevo, passando Porto Belo tem um enorme morro que separa Bombas e Bombinhas do mundo. É um acesso só para veículos motorizados. Mas optei por encarar a escalada, empurrando é claro. Para piorar a descida também foi difícil, os freios da bike não estão bons e não tem acostamento algum…umas fez do outro lado descobri que o tal camping era no fim do fim da praia, e tive que escalar outro morro, menor mas mais íngreme. Foi o local de mais difícil acesso que estive, embora a praia seja linda, não é recomendado para pedestres ou bicicleta…o pior foi penar que teria que fazer todo o trajeto novamente para voltar a Br. Novamente fiquei muito Isolado e não sai nem para jantar. Amanha vou sair mais tarde, pretendo ficar em Camburiu que está bem perto. El Viajante saindo de Floripa ** Bombinhas até Piçarras - 01-06-10** morro em Bombas Sai do camping quase 9h, levei quase duas horas para chegar a BR. O vento continua a favor, mas estou me sentindo com menos gás. Fui em direção a Itapema, o trajeto é sem acostamento e muito esburacado. Uma vez em Itapema a coisa mudou. Ruas asfaltadas e uma ciclovia ao longo da avenida principal. Era 11h e estava com fome, pois não havia feito uma refeição de peso no dia anterior. Passei por vários grandes restaurantes e parei já no final da avenida. Cheguei no balcão, pois não avistei nenhuma atendente. O única pessoa que estava preparando umas viandas gritou lá de dentro: - O que tu que! Num tom de voz nada amigável, creio que o cara me viu chegando com a bike cheia de tralha com uma barba já crescida e pensou que eu iria pedir algo. Nisto chegou uma atendente que me serviu com muita gentileza. Acho que vou ter que fazer a barba mesmo, caso contrário vão me confundir com o Mexicano. Praia de Bombinhas Bike na Praia de Itapema Depois de abusar do almoço fui até a praia para giboiar. Logo peguei a estrada e cheguei ao trevo de Camburiu. Parecia o centro de Poa, enormes prédios, não quis nem entrar. Tinha uma placa indicando Interpraias, mas não estava afim de surpresas. As placas indicavam 30 km para Penha e Piçarras, resolvi esticar até lá. Cheguei a Piçarras às 5h da tarde, procurei o camping, mas era muito longe e possivelmente fechado. Depois de pesquisar algum hotel, achei uma pousada com preço promocional de 25 reais e quando fui pagar o Dono deixou por 20, beleza. Vou descansar e pesquisar algum camping perto de São Francisco. Na BR 101 Tunel de 1 km Antes de Camboriu **Piçarras - Quarta - 02-06-10** Amanheceu chovendo e eu bem deitado num bom colchão de molas, resolvi ficar mais um dia em Piçarras que é uma cidade muito organizada, limpa e plana, com uma boa ciclovia. A minha estratégia de viagem é simples, rodar quando bastante quando o tempo ajuda e quando encontrar um bom lugar ficar alguns dias para descansar, e isto está dando certo. Ganhei o mesmo desconto nessa outra diária, e o Adilson da pousada Recanto das Paimeiras ainda me presenteou com um guia do Vale Europeu. ** Piçarras até Barra Sul - Quinta- 03-06-10** Mais uma noite de muita chuva, mas hoje não tem jeito, vou pegar estrada. Sai as 8h da pousada, achei que acordar cedo todos os dias seria algo difícil pois em casa tenho habito de ficar acordado até tarde e custo a sair da cama, mas na viagem a rotina é diferente, deito mais cedo e durmo no máximo 6h, e já é o suficiente, assim aproveito a luz do dia. Pela manha ainda não chovia, fui até a praia e tirei umas fotos, nas para a direção que eu iria estava se formando um temporal, esperei as nuvens se dissiparem e parti em direção a Barra do Sul, e caso o tempo melhorasse poderia esticar até São Francisco. Faz frio e o vento é contra, e logo começa a chover, pedalar com a capa é muito desconfortável, e para muitas vezes nos postos para me abrigar um pouco. Levei algumas horas até a estrada de chão em direção ao Balneário de Barra do Sul. Nos primeiros 10 km pedalei com certo esforço, mas depois não teve jeito, muito barro e areia solta, foram mais 2h empurrando a bike. Mas estava mais disposto mesmo para caminhar, a pedalada neste dia não estava redonda… Logo na entrada encontrei o camping, uns dos mais simples que fiquei, mas fui muito bem recebido, o pessoal aqui é muito simpático e me senti em casa. O deslocamento hoje foi curto, não mais que 50 km, mas foi o dia mais cansativo. **Barra do Sul até São Francisco do Sul- Sexta - 04-06-10 ** A chuva marca presença novamente, noite dormi mal, muito barulho do vento e da lona fina que coloco encima da barraca. Resolvi seguir viagem, arrumei tudo depressa e cheguei na rodoviária de assalto, de chinelo , capa e bermuda. De cara o cobrador pediu a nota da bike, por isso que sempre desmonto um pouco a bike e cubro com a lona. Apresentei um simples cartão de visita que fiz, com a idéia da viagem e o endereço do site e email, poupou demais explicações e embarquei tudo em menos de minutos. Meu destino era São Francisco, teria que descer em Araquari e pegar outro ônibus, mas o cobrador não me avisou que não havia rodoviária e eu não perguntei, acabei parando quase em Joenville, que é uma cidade muito legal, já estive lá certa vez visitando o museu da bicicleta (MUBI). Resultou que fiquei 3h na estrada até embarcar para S. Chico. chegando no Centro Histórico de São Francisco O camping ficava a quase 20 km da cidade e para o lado contrária que eu iria no próximo dia. Chovia muito, dei um tour na cidade e avistei a Corporação dos Bombeiros, lembrei do relato do cara que encontrei em Floripa que falou que só se hospedava nos bombeiros e que era muito bem recebido. Contei a minha história várias fezes e pediram para que eu esperasse para falar com o comandante. Um dos bombeiros perguntou se eu queria tomar um café, aceitei pois já era 3h e ainda não havia almoçado. Quando estávamos na mesa, o telefone tocou e logo após o alarme, saíram todos eles correndo, em poucos minutos o caminhão partiu e eu fiquei só olhando toda aquela movimentação, e finalizei o café sozinho. Por voltas das 5h o Comandante chegou e deu o ok, então sai eu correndo na chuva em direção ao museu do mar, pois queria conferir o acervo que possui uns dos barcos do Almir Klink e várias canoas antigas. Chequei lá lavado de suor e todo molhado, mas valeu a pena. Na volta fiz um lanche no centro, mas quando retornei aos Bombeiros fui convidado para a janta que estava muito boa. O turno havia mudado, mas todos sem exceção me trataram com muita atenção e ficaram curiosos com a minha viagem, deixie o meu cartão com eles e facilmente conferiram o relato no site. No meio da noite acordei com alarme novamente. Realmente a rotina deste pessoal não é nada fácil, parabéns a todos pelo trabalho de dedicação a comunidade e muito obrigado pela acolhida. Coorporação dos Bombeiros de São Francisco do Sul Vista da janela no museu do mar Barco a remo que Amyr Klink usou na travessia do Atlântico **São Francisco do Sul até Guaratuba - Sabado - 05-06-10 ** Acordei cedo, antes da chamada geral das 6.30h. Fui em direção ao centro histórico, aproveitei para tirar algumas fotos pois o tempo estava bom. São Francisco é uma cidade muito interessante, principalmente para quem se dedica ao estudo da história. Gostaria de ter ficado mais tempo. Atravessei numa pequena lancha de madeira, o mar estava muito mexido devido o vento forte, o motor gemia para vencer as ondas, confesso que foquei um pouco apreensivo, mas logo estávamos no outro lado, vila da Glória. Seria novamente um trecho de estrada de chão, mas não foi tão ruim, logo cheguei em Itapoá onde começa o asfalto até Guaratuba. Almocei e fiquei na praia algumas horas, secando o material e contemplando a natureza. Vila do Gloria trecho Serrinha - Itapoa Por volta das 5h cheguei à casa do amigo Cicloturista Nelson, conforme contato prévio. Fui muito bem recebido, à noite fomos jantar na casa de amigos e familiares, apreciei um dos pratos típicos da região e tomamos um bom vinho. Conversamos sobre as viagens, e por fim descobri que era ele que iria pedalar com o Valdo no Canadá, visto que conhece muito bem a região pois atravessou todo o País de bike. Lembro que certa vez conversei com o Valdo sobre a minha idéia de formar uma rede no Brasil de pessoas interessadas a acolher os cicloturistas, idéia que vinha de encontro com o projeto do Valdo de fazer a casa do cicloturista, pois existem várias na América e nenhuma no Brasil. Concordamos que falta está cultura no nosso País, e como o Valdo me respondeu ‘’somos nós que temos criar isto’’, fica aqui está observação sobre a questão que talvez possa evoluir e ser discutida em outro momento. **Guaratuba até Balneario do Leste Domingo 06-06-10** Acordei um pouco mais tarde, e depois do café parti em direção Caiobá e Natinhos, não tinha um lugar específico para chegar, estou próximo a Paranaguá, e preciso reforçar os suprimentos para fazer a travessia da ilha do Superagui e Cardoso, alcançando em alguns dias Cananéia, litoral sul de São Paulo. Hoje o dia estava muito lindo, de um lado o mar, de outro enormes morros, passei a tarde pedalando devagar e sem pressa. Passava das 3h e resolvi parar, estou no balneário de Leste, e amanha talvez vá à ilha do Mel. Hoje finalizo o meu dia muito contente com o andamento da viagem, com a oportunidade de interagir com pessoas com as mais diferentes histórias de vida, o que reforça a convicção que sou uma pessoa privilegiada, pois sempre encontro no meu caminho pessoas que fazem a diferença na minha vida. Muito obrigado ao Nelson Muller e Família que me receberam de braços abertos. Balsa de Guaratuba para Matinhos **07-06-10 Praia de Leste – Ilha do Mel - PR ** Esta noite lembrei da Serra Gaúcha, fez muito frio, tive que usar toda a roupa da mala. Logo que sai da barraca cumprimentei um Senhor que esta instalado em um dos quartos do camping já havíamos conversado ontem, me ofereceu uma xícara de café, e ficamos algumas horas conversando. Contou das suas andanças pelo Brasil, e me confessou que nunca teve vontade de conhecer o Rio Grande do Sul, visto que oriundo de uma família de pescadores de SC e que deste pequeno foi influenciado por uma certa rivalidade entre os pescadores catarinenses, denominados ‘’barriga verde’’ e os Gaúchos. Sempre gostei de conversar com pessoas de mais idade, além da experiência de vida, em geral são pessoas que não mais fazem da guerra de vaidade tão comum principalmente em ambientes de trabalho, que representa nada ais que a insegurança e dificuldade de afirmação do indivíduo dentro do seu âmbito social. Praia Mar de Fora - Ilha do Mel O dia estava ensolarado e o percurso até a travessia para ilha do Mel era curto. Logo depois do almoço embarquei para a ilha, travessia de pouco mais de 30 min. A ilha é muito bonita, o que chama mais a atenção é que não existe ruas, e muito menos veículos automotores. As pequenas pousadas nasceram de casas modestas de morados que ficam todas dentro da mata, formando um labirinto de trilhas. Mais tarde instalado no camping que no geral não oferecem grande infra-estrutura, conversei bastante com um dos moradores que está engajado na associação dos moradores e busca algumas melhorias para ilha. Conversamos sobre várias coisas, mas principalmente sobre a questão de organização da ilha, que está subordinada a Paranaguá, e segundo ele carece de uma política mais atuante local, visto que a cultura caiçara e desprovida historicamente desta consciência política. Não é preciso procurar muito para constatar que existe alguns problemas básicos no local, na chagada da onde se situa o vilarejo, pois é a área mais protegida, as placas indicam impróprias para banho, e em certos locais e evidente o cheiro de esgoto. Já no lado contrário, de frente para o mar é realmente um paraíso. Fiquei contente em estar ali na baixa temporada, pois não gosto de locais de grande aglomeração e creio que o controle de 5000 visitantes por dia na ilha deve causar um congestionamento nas pequenas vielas. Não quero com estas considerações desestimular ninguém de conhecer o local, bem pelo contrário. Aproveitei o final da tarde e fui até a praia da gruta e subia um enorme morro. **08-06-10 Ilha do Mel – PR ** Acordei cedo resolvido em fazer a trilha até o outro vilarejo chamado Brasília, pois estava na praia Encantada. O pessoal do camping me aconselhou ir de bike, deveria transpor apenas um morro e depois logo chagaria no vilarejo de bike…eu iria a pé, mas aceitei a dica, mas não foi nada disso, depois de subir o morro do sabão com a bike nas costas e passar pela praia do Miguel, havia um paredão de pedras de difícil acesso. com a Bike no Morro do Sabão Deixei a bike e fui conferir a passagem, depois de meia hora resolvi voltar, a maré estava muito cheia, e o retorno foi mais difícil ainda, o que me custou uns dois tombos nas pedras e tive que passar com ondas já na altura da cintura…fiquei um pouco chateado por não conseguir explorar a outra vila. Descansei a tarde todo, e aproveitei a noite para fazer um tour pela praia da gruta a noite, o céu estava muito estrelado e ao longe avistei mais de dez navios, fiquei um tempo por lá e retornei tateando o caminho de um pouco mais de 1 km. **09-06-10 Ilha do Mel – Paranaguá – Ilha de Superagui – PR** Acordei cedo e aprontei tudo para partir no barco da 7.30h para Paranaguá, escutei o opito do barco e me apresei. A travessia durou em torno de 2.30h. Não existe barco coletivo entre a ilha do Mel e Superagui, e por receio e grana não quis atravessar esse trecho de mar aberto nas ‘’voadeiras’’, barcos de alumínio com motor de popa. Logo que sai de ilha o barco balança bastante, mas logo entra na baia de Paranaguá e estabiliza. O barco para Superagui sairia somente as 2.30h, aproveitei para almoçar e descansar, pois Paranaguá é uma cidade que não me chama muito atenção. Já fazia alguns dias que estava pensando em mudar o meu roteiro e não mais atravessar pelas ilhas, pois por experiência de trilhar pela beira do mar, sei que um simples córrego no verão, no inverno facilmente se transforma numa barra intransponível. Fiquei mais de uma hora aguardando a saída do barco e observando a movimentação de carga. Era um barco pequeno, e neste decorrer de tempo foi atulhado com o mais variado tipo de material, deste material de construção a compra de super e bagagem. Isto me deixou com certo receio, pois havia uma carga excessiva, e saberia que o trecho final seria bem difícil devido o vento que aumentava e a chuva que se formava ao longe. Fiquei bem na popa do barco, parte traseira, me sentei numa sacaria e me escorei no saco de dormir, dormi um pouco na primeira hora, graças ao protetor auricular que sempre carrego comigo. Depois que o barco passou a linha da Ilha do Mel que facilmente reconheci pelo farol, o vento aumentou muito e com ele a ondulação. O mar estava grosso, termo náutico que significa forte agitação. Estávamos já costeando a ilha das Peças. Um dos Senhores que estava ao meu lado comentou com outro morador da vila que o barco não estava sendo guiado de maneira correta e que a velocidade estava alta. Não demorou muito e ouvimos e sentimos uma pancada muito forte no casco do barco, havíamos abalroado um banco de areia. Rapidamente o barco girou em seu eixo, ficando exposto a uma série de ondas que lamberam o costado e molhou muita gente. O barqueiro engatou a marcha ré, mas o barco seguia girando, pensei que tínhamos perdido o leme, alguém cogitou que a corda havia rebentado, perguntei que corda era esta, estavam falando do acionamento do leme….a situação era muito delicada, percebi que estava ali todos o ingredientes para acontecer um acidente, sobrecarga e imperícia. Olhei para a praia, estávamos não mais que 300m, por fora da rebentação, sabia que se mantivesse a calma poderia chegar em terra, mas olhei para aqueles pessoas enfiadas no casario, mulheres e crianças e por um instante fiquei o muito preocupado, pois seriam estas as primeiras vítimas. O barco fez 360 graus e se livrou do banco, isto tudo não passou de alguns minutos, mas bastou para que todos ficassem agitados, e algumas pessoas se aglomeraram perto onde eu estava, pois em caso de emergência seria o local mais fácil de pular no mar. Os 40 mim que se passaram até chegar a barra foi muito tenso, o pessoal da vila estava preocupado. De um lado era as ondas e de outro um mar muito agitado com vagas de mais de 3m. A entrada na barra foi um silêncio só, e logo que entramos em local protegido todos respiraram aliviados. Mais tarde e ao longo dos dias conversei com vários pescadores que disseram que fazia semanas que a barra estava fechada e que ninguém saia para pescar devido o mal tempo, e que vários barcos já viraram neste trecho que um baixio, ou seja, uma diferença brusca de profundidade na costa que causa ondulação mais perigosa que em alto mar. **10-06-10 Ilha de Superagui – PR** Mais um dia que amanhece chovendo, sai do camping já passava das 10h. Forcei a pedalada pois a praia rapidamente ficava curta, com a maré subindo. Pedalei por uma hora, depois não teve jeito, amarrei um pequeno cabo(corda) no canote do banco e em volta da cintura e vinha tracionando arrastando a bike do jeito que dava. Caminhei mais duas horas e encontrei um barraco de pescador junto a praia. A notícia boa foi que estava perto da barra da Ararapira, final da ilha do Superagui, ponto de travessia para ilha do Cardoso, local onde queria pernoitar. O ruim é que o rapaz me falou que eu não conseguiria passar, visto que o mar invadiu o mato e havia água pelo pescoço. Nem perdi o tempo indo lá para conferir, me instalei ali mesmo, junto as canos e material de pesca. Logo veio da casa que ficava uns 100m para dentro do mato uma Senhora e algumas crianças, conversamos bastante, eram verdadeiros caiçaras, pessoas que ainda vivem exclusivamente da pesca. Não possuem energia, nem gás, e assim que anoiteceu não vi e não ouvi mais sinal de ninguém. Fiquei pensando sobre a questão que conversei com o morador na ilhado Mel, e refletindo sobre a história de vida daquela pessoas, que a cada final de dia de pesca se deslocam ao longo da praia por mais de 20 km para vender alguns sacos de peixe, ou trocar por mercadorias. Descobri então que o que apontava no mapa como praia deserta, não era tão deserta assim. Casa onde pernoitei na praia deserta **11-06-10 Ilha de Superagui – Ilha do Cardoso – Cananéia - SP** Havia feito uma marca na areia para comparar a altura da maré, estava mais baixa. Cheguei no trecho invadido pelo mato, não mais que 2km, o problema seria ser pego no meu do cominho pela maré alta. Conversei com dois pescadores numa pequena canoa e confirmaram que estava mais baixa a água mas que haveria duas saídas de riacho. Pedi para que na hora que voltassem observassem se eu não precisava de ajuda, pois em último caso teria que deixar o material para trás. Segui em frente, a princípio pela beira dágua, mas o local é um mangue, e a bike atolava no lodo, com água quase na cintura, o jeito foi ir junto ao mato e alçar os 45 kg da bike e bagagem por cima da vegetação caída. Demorei um pouco mais de uma hora para vencer esta travessia, em seguida atravessei a barra da Ararapira para ilha do Cardoso. Proximo a Barra do Ararapira Peguei várias informações sobre o caminho a percorrer, o vento era favorável e a praia bem firme. Depois de rodar cerca de 2h cheguei no final da praia. Existe ali um paredão de pedra, sem espaço junto a areia. Percebi que havia uma trilha aberta no mato subindo um enorme morro. Fui explorar a possível passagem, caminhei por mais de meia hora numa muma mata muito fechada, que hora parecia um túnel verde. A trilha era escorregadia entre as raízes, num sobe e desce constante. Cheguei numa pequena bifurcação e, percebi que não conseguiria passar ali com a bagagem, e seria fácil ficar perdido ali, e ninguém iria me procurar em caso de emergência. Na dúvida é sempre bom retornar que seguir em frente, logo apareceria alguém para indicar a melhor saída. O vento apertou e totalmente contra, passava de meio dia e avistei uma casa dentro do mato, seria um bom lugar para me abrigar. Quando venci as dunas tive uma grande surpresa, havia um enorme gramado e várias casas que margeavam um rio de água calma e ao fundo enormes morros. Estava na vila do Marujá. Encontrei um restaurante aberto, e depois de mandar ver, pedi para a senhora preparar uma vianda paraq levar, pois não saberia o desfecho daquele dia. Fiquei sabendo que o próximo barco de linha viria somente daqui quatro dias, a única opção era esperar algum particular aparecer por lá. Quando já estava me aprontando para acampar chegou um garoto perguntando se era eu que queria ir a Cananéia, disse que o seu iria numa voadeira e me cobraria 40 reais. Passava das 4h, mas aceitei a oferta. Pegamos um tromba de chuva, por quase meia hora, se não fosse os morros eu poderia jurar que estávamos no Amazonas, é incrível os inúmeros braços de rios e mata fechada ao longo do caminho. Cheguei em Cananéia e logo arrumei as coisas e fui procurar um lugar para pernoitar. Depois de rodar muito, achei um quarto junto a estrada na saída da cidade. ** 12-06-10 Cananéia – SP** Passei o dia secando o material, fui até a cidade e organizei as coisas para o dia seguinte. A cidade me desapontou na questão histórica. Quase não se vê casas ou marcos conservados, bem diferente de São Francisco-PR. **13-06-10 Cananéia – Ilha Comprida-SP** Antes das 8h já estava na estrada. Passei na balsa para a Ilha Comprida, que como sugere o nome é uma longa praia, cerca de 60 km, muito parecida com a praia do Cassino-RS, com mar mais escuro e revolto. Nas primeiras duas horas forcei bastante, para aproveitar a Mara baixa. Acabou que a praia se manteve boa, mas exagerei no esforço, e as pernas pareciam de pedra e me arrastei por vários quilômetros. Nos últimos 20 km inicia o asfalto que corre paralelo ao mar. Parei para almoçar e descansar. Nisto passou um ciclista numa speed para o sentido contrário e logo retornou. Parou para conversar e me convidou para ir até a sua casa na ilha que passaria alguns informações sobre o caminho. Acabou que conversamos por horas, e como já estava no meio da tarde resolvi ficar no balneário. Me instalei num quarto junto a um restaurante e a noite fui jantar na casa do meu novo amigo biker, o Claudio, conhecido como Magaiver, inventor, campeão Brasileiro de carro a vela, motociclista, canoísta e sanfoneiro….ficamos até a madrugada falando de tudo um pouco, é gente muito boa, mas é daqueles que o cara desconfia que o dedo dele ascende na ponta igual o do ET. **14-06-10 Ilha Comprida-SP** Ontem fui dormir bem tarde e hoje amanheceu um dia ensolarado. Resolvi sair da cama mais tarde e ficar mais um dia por aqui, assim aproveito pra dar um geral na bike. Passei a tarde nesta função, e no final da tarde passei na casa do Claudio que estava saindo para pedalar. Foi mais uma noite de longa conversa e mais algumas histórias incríveis…e pra quem o conhece pessoalmente não fica dúvida sobre a veracidade. Uma dessas histórias achei muito engraçada, ele e um amigo foram remando até a ilha do Cardoso, logo que chegaram com muito custo o guarda florestal mandou eles retornarem no mesmo pé, como era noite conseguiram ficar até amanhecer… lá pelas tantas avistaram uns olhos brilhando no escuro e foram conferir…quando iluminaram com a lanterna o bicho atrás deles…era uma onça parda! Saíram em disparada…ele lembrou do tempo que era guia no pantanal e que ouviu os causos de ataque de onças, então enrolaram a rede de dormir no pescoço, já que o bicho morde direto o pescoço da caça, e assim ficaram até amanhecer… **15-06-10 Ilha Comprida- Iguape – Peruíbe-SP** É a manha mais frio desde que estou na estrada. Lentamente peguei o rumo em direção a ponte que leva a Iguape. De longe avistei a grande Igreja. Lembrei do vilarejo pobre da barra da Ararapira, a única construção de alvenaria era a Igreja, e isto é muito comum nas pequenas cidades. Pena é que este esforço conjunto da comunidade na maioria das vezes não vá adiante, e as demais obras de infra-estrutura básica acabam entravando na burocracia Estatal. Logo que cheguei na cidade um Senhor de bicicleta puxou assunto e me mostrou os principais pontos. A cidade possui um Grande número de casas ainda bem conservadas, embora muitas sejam utilizadas para comércio. Estava me sentindo um pouco indisposto, e teria que voltar a BR, visto que não é permitido passar pela reserva da Juréia. Embarquei no ônibus ao meio para Peruíbe. Cheguei na rodoviária bastante perdido pois dormi toda a viagem. Estava tudo fechado, em função Da estréia do Brasil na copa. Fui em direção a praia e liguei para o único caming aberto, estava do outro lado do morro, praia do Guaraú…lembrei de Bombinhas, mas este foi mais fácil de transpor. Praia do Guarau. Ao fundo reserva da Jureia **16-06-10 Peruíbe – Mongaguá -SP** Outra noite fria, mas montei a barraca dentro da cozinha e fiquei bem protegido. Sai sem presa, pois a intenção é ficar perto de Santos e entrar na cidade somente pela manhã, em centros maiores é uma estratégia que funciona bem. Encarei o morro novamente sem grande dificuldade. Mais ao fim da cidade e da praia parei num quiosque para pedir informação, conversei um pouco com o dono que me ofereceu um café, me despedi e segui viagem. O vento era médio, mas a pedalada rendia muito. Passei pelo trevo de Itanhaem perto da uma hora, foi uma pena não ter visto o recado do Marco me oferecendo hospedagem, de qualquer forma fica o meu muito obrigado pelo convite. Mais adiante estava a cidade de Mongaguá, fui até o camping, mas estava fechado, me hospedei num pequeno quarto de uma pensão, que mais parecia uma sela de presídio, com apenas uma pequena janela quase no forro, no meio da noite abri a porta, pois não já estou acostumado a dormir em locais abertos. Praia do Guarau ** 17-06-10 Mongaguá – São Vicente – Santos – Bertioga -SP** Dormi muito mal, acordei com um cachorro latindo várias vezes e 7.3h já estava na estrada. O vento era quente, contra e forte, mas mais um dia que estava bem para pedalar. Rapidamente cheguei em Praia Grande, deste ponto até Guarujá, passando por São Vicente e Santos existe ciclo vias interligadas, é um diferencial no que trata de solução de deslocamento. Ponte de São Vicente Quando cheguei a Santos o relógio marcava ao meio dia 31 graus. O litoral Santista é um local que gosto muito, muito espaço para andar de bike e um mar convidativo para esportes náuticos. Tributo ao trabalhador ciclista em Santos Minha intenção era pernoitar no Guarujá, mas não achei camping. Segundo as informações. O melhor caminho seria pegar a Rio-Santos, desviando inúmeros morros pelo litoral. Neste trecho também existe serra, mas bem menos íngreme. Por voltas das 3h cheguei em Bertioga. É um balneário com duas avenidas asfaltadas, e todas as demais ruas de areia. Alguns enormes prédios que destoam no meio de casas modestas e mal acabadas. Não achei nenhuma placa indicando nome das ruas, nem das principais avenidas. Quando achei o camping a Senhora cobrou 25 reais, me recusei a pagar, o local não tinha uma boa área. Achei uma acomodação em pequeno hotel por 30 reais. Mesmo com o vento contra pedalei cerca de 80 km. **18-06-10 Bertioga – divisa com São Sebastião-SP** Conheci no hotel um Sr. Muito simpático que me alertou sobre a serra do Boiçucanga, que é 3.5km subindo…sai mais tarde, pois iria rodar pouco e ficar antes da serra. Parei uns 5 km depois da cidade, e observei operários cortando o mato, pensei, isto é que é loucura, e não pedalar de bike…Também estranhei o porque limpavam esta área, já que na cidade carece muito mais…mais adiante passei por uma grande base da polícia militar, junto a um supermercado e de lanches…pensei então, quem sustenta este comércio…logo achei a resposta, existe ali um enorme condomínio, e mais adiante vários outros, mas este a portaria parece uma área militar de tanto reforço, Riviera de São lourenço. Como é comum condomínios adotarem nomes europeus para dar mais glamour para o local…inconscientemente acabamos sempre idolatrando a cultura branca européia, e neste eurocentrismo a verdadeira identidade do Brasil vai ficando no acostamento, e o que vemos é o nacionalismo aflorar somente na época de copa ou carnaval…queria eu ser norte-americano para me orgulhar do meu País todos os dias a ponto de ter uma bandeira no meu quintal… Neste dia tive meu primeiro pneu furado, arrumei e no primeiro posto fui calibrar, e encontrei uma placa: calibrador somente para carro e moto, e isto que na região a bike é muito utilizada por trabalhadores…esta cidade é muito estranha mesmo. Visual da Rodovia Rio - Santos Fiquei num caping junto a estrada, quase na divisa com Saão Sebastião, fui muito bem recebido pela dona, e mais tarde um pessoal que estava passando o dia por lá, me convidaram para participar do churrasco. Por fim a dona foi ficar na casa de parentes em outra cidade próxima e disse que eu ficasse de dono… ** 19-06-10 Bertioga – Boiçucanga – Maresias (São Sebastião-SP)** Logo que passei a fronteira para São Vicente encarei a subida de 3.5km, foi bastante difícil, mas sinto que estou bem condicionado. Na subida havia um acidente, um motociclista saiu pela tangente em uma das curvas fechadas e por sorte não caiu na ribanceira…parei para ver se conseguia água e logo segui, levei uma hora para vencer este trecho. Avista lá de cima é muito bonita, a praia de Maresias lá embaixo. É uma praia de surfistas e um padrão mais elevado, as onda quebram junto a praia o que não convida muito ao banho, aproveitei a tarde e fiquei até o sol se por na praia. Mais uma vez fui muito bem recebido num pequeno camping . Praia de Boiçucanga ** 20-06-10 Praia de Maresias - Centro de São Sebastião-SP** Hoje é domingo e o pessoal me convidou para assistir o jogo por aqui, mas tinha uma travessia de serra com mais de 25 km. Novamente estava bem disposto para pedalar. A serra do mar é muito bonita, quase todo o percurso peguei sombra e fui fazendo pequenas paradas e vencendo as grandes subidas seguidas de alguns minutos de descida. Levei quatro horas para fazer este trecho, cheguei a um grande camping sem acomodação para uma pequena barraca. Não quis ficar, não me preocupo mais onde parar, fico confiante que no final do dia encontrarei um bom lugar para pernoitar, e assim se não me agrado do lugar sigo em frente. Logo que cheguei no centro, avistei uma placa de uma pequeno hotel com diária de 25 reais e café da manha, fiquei ali mesmo. Conversei com um rapaz na chegada, e depois das perguntas básicas, ele falou da dificuldade do povo pobre encontra em viver num local que é projetado para o turista, São Sebastião é uma cidade de muito recurso em função da Petrobras, mas existe apenas uma praia pública, e a Ilhabela, assim com todas as outras ilhas forma tomadas por mansões. Praia de Maresias **21-06-10 São Sebastião – Ubatuba-SP** Acabei desistindo de visitar a Ilhabela, o tempo está mudando e o local que tenho interesse de conhecer é o pouco que resta da vila dos pescadores e é de difícil acesso. Peguei a estrada e rapidamente deixei São Sebastião para trás. Praia São Francisco Quando passava por Caraguatatuba, lembrei do Sr. Que conheci no hotel em Bertioga, que falou o seguinte; Não deixa de conhecer a minha praia…Estava trafegando numa rodovia que corta a cidade e sem acostamento, então entrei para conhecer o local. Na praia existe uma grande ciclovia e logo que cheguei um ciclista puxou assunto, era o Freddy, conversamos bastante enquanto pedalávamos, e ele ainda me acompanhou até a saída da cidade indicando o caminho e deu algumas dicas sobre a praia de Trindade. Subi uma pequena serra e parei para almoçar, até agora o meu apetite é de leão, mas a comida estava muito ruim e deixei a metade no prato. O tempo estava fechado para chuva, e logo começou a chover fino e fazer frio, faltavam ainda uns 40 km para Ubatuba, e para piorar começou uma série de subidas. O que me deixou animado é que foi a primeira placa que indica a proximidade de Paraty, estou perto de fechar a primeira etapa da minha viagem. Por volta das 5h cheguei a cidade de Ubatuba, que é de fácil orientação e bem organizada. Consegui boas informações rapidamente, e me instalei num sossegado quarto na área central. Homenagem ao Caiçara **22-06-10 Ubatuba-SP** Amanheceu chovendo muito, resolvi ficar mais um dia e conhecer mais a cidade, pois o trecho até Paraty será de mais de 70km e já estou prevendo as várias subidas. Em Ubatuba junto a praia existe uma grande ciclovia e também nas principais ruas, embora não tão bem sinalizada. O pessoal com quem falei desde que cheguei me pareceu muito hospitaleiro e simpático. Pena que a chuva não deu trégua gostaria de ter andando mais, mas fiquei mais recluso e aproveitei para descansar . Associando a região de Ubatuba com algumas questões históricas e indígenas, lembrei do livro que li de um autor europeu, Hans Staden. Ele ficou cativo por anos numa das tribos mais temidas da época, os tupinambás, adeptos da antropofagia, sabe-se lá o porque ele foi poupado, quando retornou a Europa relatou os costumes dessa tribo, sendo este uns dos primeiros livros a cerca dos indígenas do Brasil, este episódio se deu na região onde está localizada hoje Ubatuba…durante todos este tempo viajando pelo litoral de SP, reparei que os nomes de cidades, rios e praias, são em maioria de origem indígena, muito legal que tenham preservado isto pelo menos, já que os índios estão em numero bem reduzido, mas de qualquer forma aqui dizem que eles ainda estão em reservas, já lá no Rio Grande do Sul vivem esquecidos as margens das rodovias. **23-06-10 Ubatuba-SP - Paraty-RJ (menos 20 km)** Foi outra noite de chuva e pela manha ainda chovia muito, esperei até as 8h e resolvi seguir viagem. Logo que peguei a estrada estranhei um pouco, depois o corpo aqueceu e a roupa de chuva me manteve aquecido. As placas indicavam a quilometragem até as divisa dos estados de SP e RJ, 48 km…pensei em vencer este trecho e arrumar um lugar para pernoitar, pois a chuva estava segurando muito a bike, e as placas de inicio da terceira faixa de rodagem apareciam cada vez mais seguido, o que significava súbita forte e ausência de acostamento. BR - 101 Nos últimos 10 km antes da divisa, enfrentei duas subidas que se unem, parei várias vezes e já estava bastante cansado. Logo depois da divisa parei para tomar um café e me informaram que o trecho agora seria quase sempre descendo. Poderia esticar até Paraty, mas não queria chegar a noite na cidade. Avistei junta a estrada uma banca de venda de caldo de cana, e mais ao fundo uma pequena casa. Cheguei devagar e perguntando sobre uma possível hospedagem pelo caminho, a Senhora que me atendeu disse que se eu quisesse poderia ficar ali mesmo pois é local que já abrigou muitos viajantes. Havia alguns bancos, estava limpo e tinha telhado, e não é passagem de pedestre, visto que não há vilarejo por perto, era tudo o que eu precisava. Mais tarde chegou o seu José, o dono da casa, me ofereceu um tapete para colocar em baixo da barraca e trouxe um café. Ficamos conversando bastante, me contou que veio ainda pequeno do Espírito Santo com a família em busca de terra. Falou que os primeiros anos foi uma vida dura, abrindo clareira na mata, e depois compraram mulas que transportavam o excedente do que produziam para Paraty, principalmente banana. Depois falou do que cultivava e de animais que vivem por lá, a maioria eu não faço nem idéia do que são…lá pelas tantas ele disse; tu ouviu o piado do tucutuco? …esse canto é que amanhã vai fazer sol… Logo que anoiteceu fiquei ouvindo o barulho da mata, fiquei até tarde acordado… **24-06-10 Paraty (menos 20 km) - Paraty -RJ** Levantei cedo e já estava pronto para ir embora, quando o seu José me chamou, havia preparado um café com pão feito em casa…as vezes as pessoas que aparentemente menos tem para oferecer são as mais generosas…ainda conversamos mais um pouco e por fim quis pagar um taxa pela estadia, ele não aceitou, então dei de presente umas das minhas pequenas lanternas que não usam pilha, são a fricção…nos despedimos e peguei a estrada ensolarada, conforme havia anunciado o tal bicho. Local do Acampamento Deste trecho em diante o acostamento piorou muito, mas segui devagar e curtindo a chegada a Paraty. Logo que cheguei no trevo da cidade parei para tirar uma foto. Avistei uma biker que se parou para conversar. Era a Sandra, local da Cidade, conversamos bastante, sobre a minha viagem e sobre as suas viagens de moto e de mochileiro pelo Brasil, e agora ela está se preparando para fazer a caminha de Santiago na Espanha. Trevo de Paraty **25-06-10 Paraty –RJ** Me Instalei numa boa pousada no centro da cidade. Consegui um bom preço, poderia ter ficado num Hostel, que é um albergue, tipo o que fiquei quando viajei de bike para o Uruguai, mas o propósito agora é ficar alguns dias num lugar mais sossegado, descansar , fazer a manutenção na bike e providenciar outros preparativos para subir a serra rumo a MG. Ontem a noite sai para conhecer a cidade que é muito bonita, o centro histórico é bem maior do que eu imaginava e existe muita agitação por todos os lados. Hoje a tarde fui de ônibus até a praia de Trindade , realmente de bike não seria uma boa pedida, tem uma serra enorme. O local é espetacular, fiquei horas somente contemplando a paisagem, faltou só o chimarrão no final de tarde… Uma das Igrejas do centro Historico Havia estimado 40 dias de viagem para chegar a Paraty, levei em 35 dias. É sempre bom ter uma previsão bastante folgada, principalmente dos três principais itens determinantes; tempo; dinheiro e disposição, seja lá o tamanho da empreitada, pois assim ganhasse confiança e não existe a maldita pressa . Alguém poderá dizer que é possível fazer este roteiro numa férias de 30 dias….com certeza não seria a mesma coisa, viajar com a agenda em aberto, deliberando sobre o tempo é o que tem de mais válido nesse tipo de aventura. **26-06-10 Paraty –RJ** Hoje vou rumar para Cunha via a antiga rota do ouro, que interliga Minas Gerais, SP e RJ, que na época do cilco do ouro trouxe grande desenvolvimento para Paraty que por sua vez era a porta de saida das riquezas extraidas do nosso solo. O que mais me chamou atenção aqui é a questão geográfica, para todos os lados se avista uma cadeia de montanhas, o que faz da baia uma área muito abrigada…Com a abertura de outras rotas via trem e outroas fatores, Paraty repousou por muito tempo numa condição de estagnação, aqui a patrola da modernidade custou a chegar, e por ironia do destino foi isto que conservou o rico patrimonio histórico da cidade, caso contrário hoje Paraty seria mais uma subdesenvolvida cidade esquecida no litoral do Brasil… Rua do Centro Historico de Paraty ** 26-06-10 Paraty-RJ – Cunha - SP (menos 10 km)** Acordei cedo neste dia, cozinhei e deixei o almoço pronto e fui até o centro histórico tirar mais algumas fotos. Por volta das 10h rumei para o sentido contrário ao mar. A próxima cidade seria Cunha - SP, mas já estava prevendo que não chegaria antes do anoitecer, mas isto não me preocupava, pois tinha mantimentos e no caminho não faltaria um bom lugar para acampar. A serra da bocaina seria um dos maiores desafios, e isto realmente se confirmou. Inicio da Estrada Real Logo iniciou a subida, leve e contínua, na medida que vou avançando no vilarejo notei que as pessoas me olham de maneira espantada, e um motorista de uma picape perguntou se eu iria subir a serra, quando confirmei, ele me aconselhou a pegar outro caminho. O trecho de asfalto é de 12 km, depois mais 8 km de estrada de chão. Subia devagar, sempre empurrando a bike, parei várias vezes para descansar e almoçar. Onde o sol não incidia a temperatura baixava drasticamente. Quando já havia vencido uns 10 km, cheguei num ponto mais aberto da serra, e quando olhei para trás tive uma grata surpresa, era possível enxergar toda a baia de Paraty, e a cadeia de montanhas e morros em sua volta, tendo clara noção da gigantesca ‘’panela’’ onde está abrigada a cidade. Foi uma das paisagens mais bonitas da viagem. Visual da Baia de Paraty Depois de algumas horas alcancei a estrada de chão, o trecho de 8 km parece um leito de um riacho, de tanta pedra e erosão, demandava muita força nos braços e o esforço extra, pois caminhava nas pontas dos pés visto o elevado grau de inclinação de alguns locais. Foram 5h de caminhada, subindo, sem nenhum trecho em declive, esforço que me levou quase a exaustão, foi uma das travessias de maior dificuldade que já realizei até hoje. Uma vez chegando ao topo da serra está a placa da divisa dos estados de RJ-SP, a paisagem muda bastante, a mata dá lugar a uma vegetação mais aberta, muitos morros e uma vista mais ampla da região. Seguindo a frente, passei por uma pequena cachoeira junto a estrada, parei e tomei um banho ultra rápido e parei numa grande pousada, conversei com o caseiro que falou pelo rádio com alguém que não me autorizou acampar no pátio que mais parecia um campo de golfe de tão grande. Já estava escurecendo, e perguntei ao caseiro que me atendeu com muita atenção se poderia ficar em frente à pousada, pois havia uma boa área, ele respondeu que era um local que eles cuidavam, mas que era público e que poderia ficar ali mesmo. Enfim no Topo da serra ** 27-06-10 Cunha - SP (menos 10 km) - Guaratinguetá-SP** Foi a primeira vez nesta viagem que durmo em um local descoberto. Aqui parece muito com a serra gaúcha, algumas araucárias e muito frio. Acordei às 5h congelando, ao amanhecer a grama estava branca, tratei de pegar a estrada para aquecer o corpo. Antes de chegar a Cunha enfrentei uma grande descida, passei por dentro da cidade e rumei para Guaratinguetá, 50 km de distância, foi uma pedalada fácil. Passava um pouco das 2h quando cheguei ao trevo de acesso a cidade junto à via Dutra. Um casal num carro me chamou e conversamos um pouco, segui em frente. Quando entrei na Dutra avistei uma figura que parecia ter saído do filme do Mad Max II, aquele filme que uma gangue de desordeiros cercava uma área de extração de petróleo…era uma bicicleta que mais parecia uma moto, com alforjes de couro na frente e atrás, com um enorme chifre bem na frente da bike, e outro par de chifre menor atrás, uma carga que era o dobro da minha, havia ainda um pequeno bebê de plástico e um frango de borracha pendurado nas tralhas…o cara vestia um roupa de militar com um colete e capacete de clube de motociclista e botas de couro. A bike tinha bateria, piscas, farol e espelhos. Paraná e sua bike cheia de estilo Paramos as bikes uma de um lado da rodovia, atravessei a pista nos cumprimentamos e perguntei para onde ele iria, me respondeu que seu destino era MG, resolvemos pedalar até o próximo posto. Como já era um pouco tarde, pensamos em ficar ali mesmo, eu sugeri que deveríamos falar com o responsável para solicitar autorização para montar acampamento…o meu novo companheiro de viagem, o Patrick, que gostava que o chama-se de ‘’Paraná’’, disse que ainda era cedo, mais tarde quando abordou o gerente, recebeu um não e então seguimos no escuro até o próximo posto. Combinei com ele que eu falaria com o pessoal, chegamos a um mega posto, tal de posto 500, junto a Dutra, conservei com o atendente, que me direcionou ao gerente que por sua vez me levou até o gerente geral do local. Sem demora ele me indicou o local que poderíamos pernoitar. Era bem seguro, coberto, parecia ser uma loja de conveniência desativada. O problema foi o barulho da rodovia, do estacionamento dos caminhões e carros e para completar o ensurdecedor ruído dos ventiladores do sistema de resfriamento do abastecimento de gás. Antes mesmo de eu conseguir baixar a bagagem, o Paraná foi dar uma volta e logo retornou com duas mamitex que havia pedido no restaurante…jantamos ali mesmo, sentados no chão, ele me falou que não montaria barraca, lembrei do que o Mexicano havia me falado, que barraca é coisa de turista e chama perigo. Estiquei a barraca no chão e o saco de dormir em cima, cobri a bike com a lona e deitei ao lado. O banho ficou para o outro dia e custei a pegar no sono, que era interrompido a todo o momento. As pessoas passavam e nos viam, mas rapidamente disfarçavam…poderia ter seguido viagem sozinho, mas talvez pelo fato de ter achado mais que coincidência ter esbarrado neste entroncamento com uma figura tão diferente, resolvi experimentar este estilo de aventura. De um dia para outro havia passado do status de cicloturista para a condição de ‘’invisível’’. **28-06-10 Guaratinguetá-SP – Cruzeiro-SP ** Foi uma noite terrível, acordei quebrado e com poucas horas de sono. Pegamos a estrada e no primeiro posto o Paraná parou para tomar um café. Combinamos que pararíamos em Lorena, e que compraríamos algo para comer no caminho. Sabia que a pedalada não iria render muitos km, mas estava curtindo o passeio e rindo muito das incríveis histórias que o Paraná me contava… Na Dutra as longas subidas não me incomodavam, mas a bike do meu companheiro devia pesar mais de 80kg, pois tentei levantá-la e não saiu um centímetro do chão. Passamos num açougue, pegamos franco e lingüiça e paramos mais a frente na estrada, pois estava muito calor, o acostamento estava horrível e já havíamos passado a cidade Cachoeira Paulista. O Paraná foi pedir água, demorou bastante e depois voltou com meia dúzia de tijolos nas costas que conseguiu emprestado para improvisarmos uma churrasqueira, ficamos ali até as 3h da tarde e seguimos em direção a cidade de Cruzeiro. A tarde estava linda e eu curtia cada trecho do caminho apreciando a paisagem. Parei várias vezes para esperar o Paraná. Avistei um conjunto de pequenos morros, e falei para ele, vê se não parece que foi feito com a mão, tamanho a perfeição, o Paraná falo, pior é que foi mesmo com a mão, de Deus… Paraná mais um aventureiro na estrada Chegamos ao acesso principal no final da tarde, eu sugeri que seguíssemos pela rodovia e que não deveríamos entrar na cidade naquele horário. Quando chegamos ao centro, o povo estava em plena comemoração da vitória da seleção. Percorremos vários postos de gasolina, o Paraná insistia em conseguir pernoitar em algum posto dentro da cidade, eu não estava levando fé, pois o espaço nestes locais é muito restrito. Finalmente rumamos para fora da cidade, já era noite, eu não estava nem um pouco preocupado com a condição de ainda não ter arrumado um local para pernoitar, depois de algum tempo na estrada, a questão de alojamento não mais me aflige, pois tenho confiança que tudo se ajeitará conforme a necessidade. O pneu da bike do Paraná furou, empurramos as bikes até o último posto. Solicitei permissão ao atendente para fazer o reparo num canto do posto, de pronto o pessoal ficou curioso e nos atendeu com muita educação. Logo viramos de certa forma atração, muitas perguntas e respostas, cada um relatando a sua viagem. Não sei bem como foi, mas logo recebemos o convite para montar acampamento numa área coberta. Passei um dos meus cartões para o pessoal do posto que acessaram quase de imediato o site e fizeram vários comentários sobre a minha viagem. O Paraná começou a contar ao pessoal, uma história que já havia me relatado, sobre tal acidente de moto, quando sofreu várias intervenções cirúrgicas e que teve os ossos das canelas trocados por uma liga de titânio… mais adiante sofreu outro acidente de avião e ai aproveitaram e trocaram mais um ossos por esta liga de titânio e que junto a coluna cervical possuía uma fiação para comandar as pernas, por isso eu o apelidei de ‘’homem biônico. Mais tarde quando estávamos montando o acampamento o Rodrigo nos trouxe um belo prato com frango assado e também conversei mais um pouco com o Guti que foi quem nos autorizou a ficar no local. Fica aqui o meu muito obrigado a todos do posto Rocha da cidade de Cruzeiro por ter nos recebido tão bem, valeu mesmo. Em Cachoeira Paulista **29-06-10 Cruzeiro-SP – Pouso Alto-MG ** Foi uma noite mais calma que a anterior, mas acordei às 5h, comecei a arrumar as coisas e estava decidido a enfrentar a serra da Mantiqueira, e seguir sozinho, retomando o meu estilo de pedalada e de viagem. . Não fiz questão de saber detalhes da travessia, tipo quilometragem, altitude, etc. Resolvi curtir o caminho e fazer o ritmo que fosse permitido. Me despedi do Paraná e do pessoal do posto, a estrada ainda estava com muita neblina, passava um pouco das 7h. Fui subindo devagar, aqui não existe a terceira pista e os caminhões não invadem o bom acostamento. Parei muitas vezes, mas desta vez não foi muito pelo cansaço, mas sim para apreciar a vista, é um lugar incrível, creio que poucas pessoas tiveram o privilégio de observar de forma tão detalhada esse caminho. Percebi que estava próximo do topo, pois nestas áreas o sol é mais intenso, neste trecho é possível ter uma visão do todo do vale. Neste local um ciclista apareceu, era o Rosini também de Cruzeiro, amigo do Guti, conversamos um bom tempo. Por volta das 11h cheguei na divisa dos Estados de SP-MG, então pense em parar e fazer o primeiro contato com os Mineiros…parei num restaurante e pedi um café, junto ao balcão iniciei uma conversa com um cara que pelo visto era um dos proprietários, logo ele trouxe uma grande cuia de chimarrão e descobri que era do RS, e que há muitos anos estava em MG, pelo menos matei a vontade e tomei uma cuia de chimarrão. Segui viagem e logo me estranhei a falta de acostamento, seriam 60km até São Lourenço que facilmente alcançaria em 3h. Mas descobri que estradas em geral aqui em Minas não contam com acostamento e foi à maior dificuldade para chegar à cidade de Pouso Alto. Passei pela cidade e conversei com o pessoal do posto, que era pequeno, resolvi ir adiante, quase no final da cidade encontrei um estabelecimento com o nome de cachaçaria paraíso, cheio de estatuas de pessoas bebendo cachaça, falei com a atendente que logo me permitiu pernoitei no pátio do local. Acabei pernoitando bem antes do almejado. O armazém ficou completamente vazio, não quis ficar na varando do estabelecimento, pois estaria muito exposto, quando se acampa em lugares sem grande segurança, a melhor estratégia é ficar o mais camuflado possível, e foi o que eu fiz, montando a minha barraca junto ao mato. Antes voltei à cidade e tomei um bom banho no posto de gasolina, foi muito bom, pois nestes últimos três dias só havia tomado banho de cachoeira e em córregos pelo caminho. Na subida da Serra Da Mantiqueira **30-06-10 Pouso Alto-MG - Caxambu-MG ** Queria sair mais cedo, mas a neblina estava forte. Havia recebido uma mensagem do Wagner, me aconselhando passar em São Lourenço, que está um pouco desviado do caminho para Caxambu. A partir deste trecho a estrada é um pouco melhor e mais calma, sem maiores problemas cheguei a São Lourenço. Em Pouso Alto Bem na entrada da cidade tem um monumento, que consiste num grande triangulo com o símbolo da maçonaria, e estampado em cada lado na parte superior os seguintes disseres; Liberdade; Igualdade e Fraternidade… lema da revolução francesa e ideário de da nascente burguesia que na época usou o povo descontente com o reinado falido para gerar uma mudança na estrutura social. Pena que a Liberdade tenha ficado só no nível do direito a propriedade privada e do livre comércio (capitalismo), a Igualdade se referia a direitos iguais perante a lei, e o fim do poder supremo dos Reis, já a Fraternidade até hoje não se concretizou… São Lourenço MG Fui até o centro e depois do almoço sentei na praça para atualizar o diário e secar o equipamento. Lá pelas 3h retornei para a estrada, parei no posto para pegar água, e quando estava saindo acabei conversando com o Emerson, da cidade de Soledade de Minas, falamos sobre a minha viagem, e rapidamente ele me contou sobre uma travessia que realizou em vários dias de caiaque pelos rios da região. Foi uma pena não termos muito tempo para desenvolver a conversa, por fim ele me convidou para ir até a sua cidade e me hospedar na sua pousada, mas eu ainda queria aproveitar o dia para chegar a Caxambu. A estrada melhorou um pouco, havia uns 80 cm de acostamento, e quase chegando a Caxambu um ciclista parou e conversou um pouco, mas estava anoitecendo e segui caminho até um restaurante na entrada da cidade. Tomei um café e iniciei uma conversa com o pessoal, respondi as perguntas rotineiras e perguntei se havia outro posto no caminho, mais para confirmar, pois já haviam me informado que não. Passado uma meia hora conversei com o gerente que me autorizou acampar, tomei um bom banho e jantei no restaurante. Por volta das 11h, me instalei na varando do local e dormi bem abrigado do sereno. Neste meio tempo entre a janta e a hora de fechar o restaurante fiquei de conversa com o Lucas, um negociante de gado e dono de um caminhão boiadeiro que me explicou em detalhes o trajeto que eu iria percorrer no dia seguinte, me aconselhando a seguir pelo asfalto que seria mais deserto e com predominância de descidas, fato que realmente se confirmou. **01-07-10 Caxambu - São Vicente – MG ** Dormir em posto tem a vantagem de ser uma opção muito barata, gastei menos de 15 reais e me alimentei muito bem, mas é sinônimo de dormir tarde e acordar muito cedo, novamente peguei a estrada antes das 7:30. O acostamento era muito estreito mas dava alguma segurança, e o movimento muito fraco, consegui vencer várias subidas no pedal, que eram longas e não muito íngremes, estava gostando muito do ritmo da pedalada. O André havia me falado da cidade de Carrancas e suas belas cachoeiras. Mas para percorrer o caminho da estrada real que contempla a trecho de chão, neste caso mais de 50 km, é necessário muito mais tempo. Refleti um pouco sobre o caminho a pegar, asfalto ou terra, e facilmente reconheci as minhas limitações, embora estando com bom condicionamento físico e com a bike mais leve o meu foco estava em chegar em São João Del Rei, e aproveitar a área urbana, sendo assim segui com um bom desempenho pelo asfalto. Totem da Estrada Real Passei pelo trevo da cidade de Cruzília e conversei com um motociclista, era o Leonardo, falamos um bom tempo sobre alguns roteiros de viagens. ,Mais adiantei entrei na Cidade de Minduri, parei para tomar um café e logo segui viagem para São Vicente de Minas. A tarde estava muito bonita, estava com vontade de parar e ficar observando o sol se por atrás dos montes…passava das 5h, e mais uma vez pensei de forma positiva quanto a achar um bom lugar para ficar, e logo cheguei a entrada da cidade. Antes de entrar avistei a seguinte placa; restaurante Macoco a 100m. Voltei um pequeno trecho e fui em direção ao restaurante que fica logo no final do asfalto. Conversei com os proprietários e segui o procedimento de sempre, mantendo uma conversa amigável. Em menos de 1h já havia conseguido aonde tomar banho e a permissão para montar acampamento por ali mesmo. O restaurante possui musica ao vivo todas as sextas e sábados e o local é muito aconchegante, sem falar no ótimo atendimento e comida caseira. Já estava pronto para me recolher após a janta quanto um pessoal que estava numa mesa próxima me convidou para se juntar a eles, eram empresários da região, ficamos quase até a meia noite junto ao fogão a lenha conversando sobre várias assuntos. Acabou que fiquei numa área bem fechada e abrigada anexa ao restaurante. Antes de dormir fiquei refletindo sobre os acontecimentos destes últimos dias. A viagem acabou tomando um caráter diferente. Desde que sai de Paraty não paguei nenhuma hospedagem, encontrei pessoas com diferentes histórias de vida, percorri uma grande quilometragem, uns dias atrás estava deitado no chão de um posto de gasolina, enquadrado no rol dos indigentes e hoje já havia retomado certo destaque em função de estar realizando este cicloturismo. Por do Sol **02-07-10 São Vicente – São João Del Rei - MG** Acordei às 7h e preparei um bom café, as 8h pequei a estrada. Senti um pouco a pedalada do dia anterior, havia percorrido em torno de 70 km, para esta região é uma boa média. Até S.J.D Rei, seriam mais 90 km, estava inclinado em pernoitar no meio do caminho. Por volta das 11h cheguei a cidade de Madre de Deus, que fica quase na metade do cominho, a local é muito pequeno e estava deserto pois havia iniciado o jogo da seleção. Resolvi seguir em frente, como não entrei na cidade não fui ao mercado comprar bolacha e mais frutas. Mais a frente passei por um pequena restaurante, mas se parasse para almoçar minha disposição para pedalar seria drasticamente afetada, segui em frente. Deste trecho em diante a estrada é muito sinuosa, com algumas curvas quase de 180 graus, um sobe e desce constante, estava já sem grande energia e essa condição da estrada estava me desanimando, sem falar que estava com pouca água, os sítios mais próximas ficavam a km da estrada… O final da tarde estava próximo quando cheguei ao entroncamento com a BR que leva a S.J.D.R, a placa indicava 16 km, havia recebido outra mensagem do Wagner que me esperava na cidade e avisei que chegaria por volta das 7h. Mas neste pequeno trecho o acostamento sumiu, havia apenas cascalho e o movimento de caminhões era intenso. Parei num bar que só vendia basicamente pinga, tomei um refri e comi a última rapadurinha de doce de leite… quando me preparava pra subir um enorme trecho percebi que um motociclista havia parado, era novamente o Leonardo que retornava para casa, conversamos rapidamente e de certa forma fiquei animado por ter o reencontrado novamente. Rodava pela contra mão, era a única maneira de avançar, logo cheguei à cidade. Não estava acreditando que havia chegado naquele ponto que estava marcado no meu mapa como ponto de referência em MG. A energia havia voltado, entrei na cidade e fui direto ao centro histórico, pedi algumas informações e logo avistei as enormes igrejas. Parei na frente de uma delas, parecia ser um ponto bem central, um grande largo com várias mesas na frente dos bares. Posicionei a bike e tirei umas fotos, quando me virei tentando localizar um telefone público, para entrar em contato com o Wagner, vi um cara vindo na minha direção já rindo, era o próprio Wagner que imaginou que eu chegaria por aquela imediação. Foi muito legal o nosso encontro, que de certa forma foi muita coincidência, pois não havíamos combinado nenhum ponto e horário em específico. Chegada em São João Del Rei **03-07-10 e 04-07-10 São João Del Rei – MG ** No sábado sai com o Wagner para conhecer a cidade, percorremos o centro histórico e andamos bastante. O pessoal aqui é extremamente simples e muito acolhedor. Com Wagner na estação de trem Nossa conversa girava em torno das viagens, bikes e assuntos afins. O Wagner possui bastante experiência como mochileiro, rodou por dois meses o nordeste e outras regiões do Brasil, acabei pegando várias dicas legais. A maior curiosidade dele era quanto ao meu equipamento, principalmente os meus ‘’alforjes’’, que gosto mais de chamar de mala de garupa, pois é uma simples lona que envolve dois grandes potes plásticos presos pelas cordas elásticas. Eu já usava este sistema simples e barato na moto, mantem a bagagem seca e limpa, e o que mais gosto é que a tampa permite fácil manuseio sem dessarumar todo o resto das tralhas. A tarde abrimos o mapa e ficamos estudando uma rota alternativa para chegar até a chapada da Diamentina, o Wagner que já conhece a região e o seu pai me deram várias sugestões, estou pensando em não ir mais em direção a cidade de Diamantina, pois aqui como já mencionei as estradas não tem acostamento. No domingo fomos até estação pegar o trem que vai até Tiradentes, foram 40 min de viagem. Tiradenrtes é um centro menor mais muito bem conservado, retornamos já no final da tarde. Maria Fumaça de São João del Rei Nas ruas historicas de Tiradentes Nossa conversa estava longe de se esgotar, creio que poderia ficar semanas por aqui, os pais do Wagner e o resto da famíla fizeram de tudo para me agradar, e eu estava verdadeiramente me sentindo em casa. Foi muito bom ser recebido com tanta atenção, o Wagner já recebeu várias pessoas em sua casa, de diferentes estados, creio que é uma prática muito gratificante para ambos os lados. Conversamos bastante sobre está questão, e a um tempo atras quando sugeri que poderia haver uma rede de pessoas interessadas em receber os viajantes, não quis me referir necesssáriamente a hospedagem. Para quem está na estrada, principalmente viajando sozinho, é muito confortante chegar numa cidade e encontrar alguém para dar uma orientação sobre um hotel barato, um ponto turistico, ou que seja um simples olá, sem compromisso. Na frente da Matris de Tiradentes Amanhã, segunda-feira, bem cedo vou partir em direção a Ouro Preto. Já estou sentindo saudade desta bela cidade de São João Del Rei, e principalmente dos meus novos amigos, não tenho palavras para descrever o tamanho contentamento de ter conhecido pessoas tão legais. Um enorme abraço a meu amigo Wagner e família, e espero em recebe-lo lá no Sul. **05-07-10 São João Del Rei – Entre Rios - MG** Hoje completei 45 dias na estrada, minha previsão era chegar em S.J.D. Rei em 45 dias, estou com um boa folga de tempo, isto é muito bom. Com Wagner em São João Del Rei Hoje me despedi desta bela cidade e dos amigos que fiz por aqui, O Wagner me acompanhou até um trecho da estrada. Nunca gostei de despedidas, é sempre um momento delicado, prefiro sempre sair sem avisar. Mais uma vez sigo o meu caminho sozinho, alguns dias de boa companhia já bastam para acostumar, assim foi quando estive no Nelson em Guaratuba, na ilha comprida com o Claudio e agora aqui em Del Rei, espero rever o Wagner em breve, pois no verão ele pretende fazer um tour lá pelo Sul. Mais uma vez resolvi seguir pelo asfalto, cheguei a entrar num pequeno trecho de estrada de chão, mas já estava um pouco tarde e acabaria pegando estrada à noite. Nestes locais afastados a noite é bem complicada, escuro e sem falar dos cães que não respeitam as cercas… por falar nisso, o maior perigo de acidente que corri até agora foi o de mordida de cachorro, em Cananéia entrei num pátio com a porteira aberta, dois pastor alemão me cercaram, sai conforme entrei, de costa, pé por pé, fica a dica, porteira aberta é sinônimo de cães…no sábado quando passeávamos pela linha do trem um grande cachorro do nada avançou em mim e quase me mordeu, foi por pouco, e hoje um outro cão correu quase um km tentando morder os meus pés… Partida de S.J.Del Rei Ao meio dia passeia pela cidade de Lagoa Dourada, parei para almoçar, o dono muito simpático sentou e almoçou comigo, fazendo várias perguntas sobre a viagem. Segui em direção a Entre Rios de Minas. O Vento estava contra e as subidas eram mais constantes. Mais uma vez ao forçar o cambio a palanca quebrou, arrumei rapidamente, mais o cabo prendeu na coroa e partiu, levei um bom tempo pra consertar. Logo anoiteceu, parei e liguei a lâmpada de pisca traseira e coloquei uns refletores que tirei de um triangulo quebrado na estrada, em cima do bagageiro dianteiro coloquei a pequena lanterna. Faltavam ainda uns 10 km para o próximo posto, mais a frente parei num restaurante e conversei com a atendente, nisto uma camionete chegou. Antes de o motorista descer cheguei junto à porta, minha intenção era pedir uma carona, quem estava dirigindo era uma moça que falou que iria descer e logo seguiria viagem. Era a Vivian e a Vanessa e seu fiel cão Bill da cidade de Entre Rios. Coloquei a bike na caçamba e peguei uma carona até o posto, foi uma grande ajuda, eu levaria mais de uma hora para fazer este trecho, e o desgaste a noite é muito grande. Obrigado as Gurias de Entre Rios de Minas. Logo que cheguei no posto já havia conseguido a permissão para ficar na área coberta, tomei um bom banho e fiz uma bela refeição. Igreja de Lagoa Dourada ** 06-07-10 Entre Rios – MG – Ouro Branco - MG** Esta noite não dormi mais que uma hora sem ser interrompido, lá pelas 3h alguém ligou um som alto num carro, antes de dormir o posto estava quase vazio, achei que seria uma noite tranqüila. Logo que peguei a estrada senti o cansaço em função da noite mal dormida. O trecho é quase a maioria subida, e o sol esquentou bastante, desde que cheguei em Paraty não vi mais chuva, o clima aqui em MG é muito seco neste época. Resolvi parar para almoçar um pouco depois da cidade de São Brás, precisava repor um pouco de energia. Parei por quase uma hora numa sombra e segui em direção a Congonhas, via estrada de chão, uns 6 km aproximadamente. Visitei a basílica e o centro histórico e sem muita demora segui para Ouro Branco. Igreja em Congonhas com as obras de Aleijadinho Custei a sair da cidade, mais adiante rodei por um pequeno trecho pela BR 040, muito movimentada e sem nenhum acostamento, andava por dentro do mato e pelas canaletas. Na estrada para Ouro Branco o acostamento apareceu, assim como várias subidas, cheguei na cidade ao anoitecer. Os postos que passei eram pequenos e dentro da cidade, como estava muito cansado me hospedei numa pequena pousada. A cidade tem muito movimento de trabalhadores na área da mineração e siderurgia. Na pousada conversei com um pessoal que pelo jeito trabalham na mesma empresa. Um deles me fez algumas perguntas e estava intrigado com o caráter da minha viagem, sugeriu que eu viajasse de ônibus, desconversei e não quis esticar o assunto, mas na seqüência ele perguntou o porque eu estava viajando? Então pedi que ele me desse o seu endereço, que assim que eu descobrisse o porque estou viajando eu lhe escreveria **07-07-10 Ouro Branco – Ouro Preto - MG** Estrada Real - Ponte do Calixto Hoje acordei bem tarde e sai do hotel lá pelas 10h, a próxima cidade estava perto e sei bem tranqüilo. No café da manha conversei com o Allen que é de MG e já fez um ciclotour até Paraty. Logo saindo da cidade avistei um pequeno posto e uma empresa de construção, ambos os lugares seriam bons para acampar, ontem ninguém soube me informar sobre este posto. Sabia que o dia seria quase todo subindo, cerca de 30 km. Creio que mais de 20 km foram empurrando a bike. Parei várias vezes, a estrada é estreita e muito perigosa, sem nenhum acostamento, mas com menos fluxo de veículos pesados. Neste trecho a paisagem é muito linda, a serra é enorme e passei por várias antigas pontes de pedras. Pensei em acampar pelo caminho, mas era muito cedo e estiquei até Ouro Preto. Estrada Real Parei na entrada da cidade num posto de ajuda ao turista, peguei um mapa e a informação onde ficava o hostel. Pela estrada de acesso consegui ter uma ampla visão da cidade, que é toda em ladeiras. Parei na praça principal e conversei com algumas pessoas. Quando tentava achar o hostel parei para pedir informação e conversei com um cara de SP, meu xará, Marcelo, Professor de Geografia, está fazendo um pós graduação em na cidade. Cheguei no hostel e logo fiz amizade com o José Maria, Argentino de Córdoba , também é professor, de História, e está a passeio, saímos pra conversar e tomar uma cerveja. A cidade está muito movimentada, está acontecendo o festival de inverno e comemorações do aniversário de Ouro Preto. Em Ouro Branco Chegada em Ouro Preto **08-07-10 Ouro Preto – MG** Acordei antes das 6h, pois o Jose Maria iria pegar o ônibus para São João Del Rei as 7h. A vantagem de ficar no hostel é que é mais barato, mas acaba sendo bem cansativo, é muito barulho e horas um pouco tumultuado. Depois de tomar café fui para o centro, poderia sair para fazer vários passeios, mas estava afim de ficar no sol, sentado na praça principal só observando o movimento, creio que esta seja uma boa maneira para conhecer algum lugar, parar e observar atentamente detalhes do cotidiano… Praça Tiradentes - Ouro Preto O feriado atrasou algumas providencias que tinha deixado pra resolver, então resolvi ficar mais um dia. À noite fui ao show do Alceu Valença, estava muito bom, ele até tocou um pedaço de uma musica muito maluca que gosto muito, As Caiopora, gravada nos anos 70. **09-07-10 Ouro Preto – Antonio Pereira – MG** Hoje estava disposta a seguir viagem. Pela manha conversei bastante com a Diana, que é Chilena, e está na estrada a mais de 2 anos, partiu com um pequeno grupo de bike, andou por Manaus, Roraima e desceu até Minas sozinha de carona. Em breve pretende seguir para o Sul e via Argentina retornar ao seu país. Ela faz algumas musicas, toca violão e canta em bares. Trocamos endereço de email e quem sabe nos falamos lá por Poa. O mais legal de ficar em hostel é que é possível conhecer pessoas legais geralmente com uma visão de mundo bem diferente. Vista parcial de Ouro Preto Logo depois do almoço me despedi do pessoal e voltei à estrada em direção a Mariana, que é outra cidade histórica, porém bem menor. São 10 km só descendo. Na entrada da cidade parei numa bicicletaria e fui muito bem recebido pelo Andreson e por sua namorada, que correm de mount bike. Aproveitei para trocar o cubo traseiro, que embora sendo rolamentado a carcaça não agüentou o peso. Levei um pneu reserva e ganhei umas manetes, grande abraço a essa turma animada de Mariana. Já passava das 5h, mas não queria ficar na cidade, resolvi seguir em frente e procurar um posto. Foram uns 10 km agora subindo, e já no escuro. Foi um trecho bem difícil. Já estava pensando em ficar acampado pelo acostamento, mas ao longe avistei luzes e logo cheguei no posto Ciclo do Ouro, cidade de Antonio Pereira. Conversei com o pessoal, e por sorte falei com o dono que estava só de passagem, que prontamente me disponibilizou uma área para ficar e local para banho. Ainda era cedo para me recolher, então coloquei a bike na lateral do posto e fiquei comendo umas bolachas, havia almoçado muito bem e não estava afim de cozinhar. Não demorou muito apareceu um dos atendentes, o Fabio, trouxe uma mamitex que haviam comprado no restaurante do outro lado da rodovia, agradeci a gentileza e mandei ver… Mais tarde chegou o vigia, um camarada muito simpático, seu Elson, conhecido com ‘’Fuscão’’, me falou que ele e outro vigia do prédio em construção ao lado ficam dentro de um ônibus de linha que chega as 11h, pois o local aqui é um pouco perigoso. Ficamos de conversa e mais tarde fomos para o ônibus. Eu levei só o saco de dormir e o colchão inflável, mas como havia esquecido o tampão acabei não enchendo. Deitei logo na entrada da porta traseira, e antes de dormir fiquei pensando quantas em pessoas passariam por aqui amanha e nem imaginariam que alguém esteve dormindo neste local…Antes de nos recolhermos ao ônibus o carro da patrulha da polícia parou no posto, o pessoal me apresentou ao policias, um eles o Sargento Alfredo é ciclista e ficamos por quase uma hora falando das bikes e da viagem. Me contou que viu um ciclista que andava em BH com um apito, quando os carros se aproximavam muito ele apitava, gostou da idéia e hoje usa a mesma técnica, por fim me deu de presente um apito para que eu use na viagem…realmente o apito chama a tenção e lembra o motorista da presença do guarda de transito. ** 10-07-10 Antonio Pereira – Barão dos Cocais - MG** A noite foi muita fria, mas dentro do ônibus estava bem confortável. As 6h fomos até a cozinha do posto e tomamos um café. Não demorei muito e peguei a estrada me despedindo do pessoal muito legal do posto do Ciclo do Ouro. A estrada voltou a ficar muito estreita, e para piorar com tartarugas dividindo a pista, o que não deixa espaço para os veículos desviarem. Estava um pouco cansado, pois acabei dormindo pouco, mas mesmo assim percorri mais de 65 km, o que aqui em Minas é uma boa média, visto o sobe e desce. Almocei na cidade de Catas Altas. A cidade está localizada no pé de uma serra muito linda, uma cadeia de montanhas. Pena é que um pedaço, mais abaixo, já foi fatiado pela mão do homem, e pelo jeito as mineradoras querem continuar a exploração, pois vi várias faixas de protesto contra a prefeitura, exigindo a preservação da serra, durante o almoço percebi que o assunto virou polêmica na cidade. Espero passar aqui novamente no futuro e ver a mesma paisagem ainda intacta. Nestes momentos de reflexão é que percebo como o discurso de proteção ao meio ambiente é vazio… Catas Altas, ao fundo serra do Caraça A partir deste ponto passando pela cidade de Santa Barbara foi um dia de bastante isolamento, estudando o mapa estava prevendo que até Diamantina seria uma região pouco povoada e que ficaria mais isolado. No final da tarde cheguei à cidade de barão dos Cocais. Parei num posto e fui até a cidade a pé acessar os emails. Tinha que decidir se continuava com a rota original rumo a Diamantina ou se pegava o trem para Governador Valadares, o que iria encurtar bastante o tour de bike. Posto Ciclo do Ouro **11-07-10 Barão dos Cocais – Governador Valadares - MG (de trem) ** Quando amanheceu fui direto a estação ferroviária, fui o primeiro a chegar. O Trem passaria as 9h, comecei então a arrumar a bagagem para embarcar. Desmontei bastante a bike, e foi bem acertado, no trem o espaço é reduzido e acomodei a minha bagagem atrás dos bancos junto a parede do vagão. Embora viajando na classe econômica a viagem foi agradável, no verão é recomendável viajar nos vagões com ar condicionado. Da metade do caminho em diante até Gov. Valadares a linha do trem corre por um enorme vale, margeando um grande rio, é a região do vale do rio doce. Fiquei imaginando passear por este rio de caíque, lembrei das nossas incursões pelo rio Guaíba. Esperando o trem em Barão dos Cocais As 2h da tarde cheguei a Valadares, o clima é de verão, me instalei num pequeno hotel perto da estação, a recepcionista parece mais uma carcereira de tão emburrada, mas o hotel é barato e é tudo o que preciso é um local sossegado para descansar, recuperar o fôlego para seguir viagem. **12-07-10 e 13-07-10 Governador Valadares – MG ** A noite foi muito quente, e os mosquitos me atacaram, vou reforçar o repelente. Aproveitei o dia para resolver assuntos pendentes e conhecer o centro da cidade. E uma cidade muito movimentada, com muitas bikes, e algumas ciclovias. A noite o clima é muito agradável e até tarde pessoas passeiam pelas ruas. Estava já com saudade de uma cidade mais urbanizada, embora goste de sair para locais mais desertos, me identifico mais com a grande cidade. Chegando em Governador Valadares Decidi fazer um deslocamento de ônibus até Vitória da Conquista, que está distante uns 500 km. Assim evito a estrada pesada e sobrará mais tempo para rodar de bike rumo a chapada da Diamantina e pelo próprio parque. As 21.40h desta terça–feira pego o ônibus que chegará a Vitória da Conquista-BA por volta das 6h da manha da quarta feira. Será mais uma cidade que não conheço, outro Estado, outra cultura, outro sotaque, rumo a última etapa da minha pequena grande viagem. **14-07-10 Governador Valadares – MG - Vitória da Conquista-BA** Ontem no final da tarde ainda em Valadares aproveitei para conhecer mais a cidade, o clima estava muito agradável e muito convidativo para passear de bike. As 9h já estava na rodoviária, logo que entrei no ônibus fiquei procurando com o cinto de segurança, pois não havia, o ônibus balançava muito e antes da meia noite o cheiro parecia de um banheiro do mercado publico… Consegui dormir quase todo a noite, as 6.3h estava na rodoviária de Vitória da Conquista, que fica bem na entrada da cidade. Deste local consegui ter uma idéia da cidade que fica distribuída por um grande morro, não muito alto mais extenso, não se distingue as ruas, só um aglomerado de casas. Fiz um tempo na rodoviária e arrumei as coisas na bike bem devagar, fui em direção ao centro. O transito é bem complicado, os motoristas não respeitam nada, e a buzina é o sinal mais utilizado por aqui. O centro parece um feira livre, tem camelodromo para todos os lados, e muitos vendedores caminhando pelas ruas, oferecendo o mais diverso tipo de produtos. A poluição é total, auditiva, visual, e o lixo é jogado sem pena em qualquer lugar… Foi muito bom ter me deslocado de ônibus, seria muito decepcionante ralr uma semana toda de pedal pra chegar num lugar tão tumultuado e inóspito para a bicicleta. Custei para conseguir um hotel, num deles o dono disse pra que eu voltasse as meio dia, fiquei mais de uma hora na praça, quando retornei a meia hora ele falou que eu havia demorado e cedeu a vaga para outra pessoa… Já estava pensando em seguir viagem, mas estava muito cansado pra pedalar. Consegui um hotel em frente d uma praça cheia de barracas de venda de vestuário. Os caros de som de publicidade e de particulares chegam a fazer fila pelas ruas. Logo que anoiteceu fui ao banco e ao supermercado e não achei interesse em caminhar para conhecer mais nada, só queria esperar amanhecer para pegar a estrada. Depois de 15 dias em Minas, foi inevitável a comparação, a boa comida, o povo amigável e tudo mais que faz de MG um bom lugar para viver. **15-07-10 Vitória da Conquista - Anagé -BA** O bom de estar na estrada é que quando não se gosta de algum lugar no outro dia podemos ir embora. As 9h deixei Conquista para trás, depois de 15 dias em Minas é difícil não fazer comparação, a boa comida e o povo muito gentil hospitaleiro… A estrada aqui na Bahia é bem ruim, mas pelo menos existe acostamento. O calor é intenso, o clima mudou muito, o deslocamento de mais 500 km de ônibus foi muito rápido e ainda não acostumei com a diferença da temperatura. Perto da 1h já havia chegado em Anagé, estudei o mapa e sabia que não chegaria na próxima cidade e já estava prevendo que não haveria nada pelo caminho. Fui até o centro da cidade e descansei um pouco, resolvi procurar um posto de combustível para pernoitar. Logo na saída da cidade após passar uma ponte avistei um pequeno bar e restaurante, cheguei e conversei com a Dona que prontamente me autorizou a montar acampamento na margem do rio junto ao estabelecimento. Deixei a bike no bar e voltei na cidade para acessar os emails. No final da tarde tomei um banho no rio , jantei, conversei um pouco com o pessoal, e por fim montei a barraca numa área abrigada próximo ao bar. Proximo de Anagé **16-07-10 Anagé - Ituaçu - BA** Acordei antes das 5h, as galinhas e galos aqui não esperam o amanhecer pra começar a cantar. Passava um pouco das 7h é já estava na estrada. O caminho é mais plano e reto, a vegetação semi-árida e desoladora, vários açudes com o solo rachado, pontos sobre rios sem um pingo d’água, animais mortos e poucas casas habitadas, que na maioria possuem um cisterna com captação da água da chuva. Ao meio dia parei para almoçar num vilarejo chamado Sussuarana. Depois de descansar por uma hora segui viagem. Voltou a parecer longas subidas, numa delas parei para conversar com um senhor, que estava esperando o ônibus, seu Dimas, motorista aposentado, conhece muito do Brasil e é natural de Vitória da Conquista, disse que lá é uma cidade muito violenta e que tem muita gente de fora perigosa. Embora o caminho apresentasse várias subidas estava gostando da pedalada, e subi várias deles sem descer da bike, mas no cicloturismo é necessário economizar energia, pois não é muito raro ter que pedalar uns 15 ou 20 km além do esperado. Imagens do Sertão Passei pelo centro da cidade de Tanhaçu e resolvi seguir em frente, a próxima cidade estava a 25 km e já passava das 4h. Acelerei bastante e venci algumas subidas pendulando de pé nos pedais, o bagageiro rangia mais que um caro de boi mas agüentou o esforço. As 6h cheguei ao posto de gasolina na cidade de Ituaçu onde pernoitei, mesmo tendo parado para almoçar percorri cerca de 100 km. **17-07-10 Ituaçu – Cascavel – BA** Acordei muito cedo novamente. Conversei com um pessoal que também havia dormido no posto. Um cara estava numa fiorino furgão, é de Feira de Santana, falei pra ele que tenho um projeto de transformar um furgão destes num ‘’motor-home’’ para viajar e acampar, ele me mostrou por dentro e onde dormia e outros equipamentos de camping. Outros pessoas que conversei estavam numa camionete e também montaram um barraca, estão participando de feiras que acontecem pela região. Parti do posto logo depois das 7h, o trecho pela frente é de 25 km de serra muito dura, na primeira grande subida senti o cansaço da quilometragem alta do dia anterior e da noite mal dormida. Quando estava quase no topo desta primeiro trecho um camionete antiga com carroceria de madeira reduziu a marcha e buzinou, o carona gritou algo e eu fiz sinal de positivo, ele desceu e me ajudou a embarcar a bike e eu rapidamente pulei na boleia. O clima mudou rapidamente, uma neblina fria cobria a serra, a estrada sinuosa e estreita se mostrou muito perigosa e difícil de percorrer de bicicleta. Foi muito bom conseguir esta carona, mas confesso que senti medo, parecia que estava numa montanha russa sem sinto de segurança de tanto que balançava aquela velha camionete. Aqui é muito comum caminhões pequenos transportarem passageiros em bancos de madeira improvisados. Rapidamente chegamos a Barra da Estiva, cidade muito tumultuada. Segui em frente em direção a Mucugê, embora soubesse que teria que ficar pelo caminho. Passei por diversas plantações de café, a paisagem é bem mais verde. Depois de rodar 25 km cheguei ao trevo de Ibicoara, as subidas lembravam Minas, resolvi seguir em frente. Logo adiante os morros deram lugar a uma grande área plana cultivada em grandes círculos, é o que eles chamam de pivô, áreas irrigadas, mais ao longe já avistava uma cadeia de montanhas, a chapada, isto me animou bastante. Parei numa indústria de beneficiamento de batata e conversei um pouco com o motorista que esperava a saída do pessoal. Mais a frente entrei no trevo da cidade de Cascavel e logo que cheguei no posto de combustível encontrei o mesmo pessoal que havia conversado pela manha, se admiraram com o quanto eu tinha pedalado, pois não sabiam que eu tinha adiantado o percurso com a carona. Barra da Estiva - Secagem do Café A noite fiquei numa boa área coberta do posto, mas estava um tanto isolado, aqui esta área da Bahia o pessoal passa por muitas dificuldades, e estão muito preocupados em satisfazer necessidades básicas, creio que o turismo é algo que está muito longe da realidade da maioria destas pessoas, é mais do que normal que ninguém se interesse em saber o que eu estou fazendo por aqui ainda mais de bicicleta. **18-07-10 Cascavel – Mucugê - BA ** Esta noite foi bem tranqüila, consegui dormir bastante e descansar. Sai devagar o trecho a ser percorrido é curto, 45 km até a cidade de Mucugê. Chegando na Chapada Diamantina A estrada continua em linha reta, poucas subidas íngremes. De um lado ao longe a Chapada e do outro mais plantação, assim se manteve a mesma e bela paisagem. Nos últimos 15 km a estrada começa a ficar sinuosa e bem próximo aos serros parece acabar pois não é possível enxergar passagem. Mucugê é realmente a porta de entrada para a Chapada para quem vem do Sul, a estrada contorna os paredões e aos poucos vai mostrando o caminho no meio das formações rochosas. A paisagem difere das serras de Minas Gerais, aqui são bem abruptas e parece que brotaram do solo, vizinhas a áreas totalmente planas. O vento aumentou bastante e o último trecho foi bem puxado. Antes da 1h chegeui ao trevo e almocei no posto e restaurante. Após descansar um pouco me dirigi a cidade que é bem limpa e organizada, mantém um ar bem antigo, com calçamento de pedra e pequenas casas antigas. Pedi algumas informações e fui procurar um mapa da região. Mais uma vez por acaso falei com a pessoa certa, encontrei o Roberto que é proprietário da Trilha e Caminhos, ecoturismo em áreas preservadas, ele mesmo é quem produziu o mapa e me passou várias dicas. Ele é ciclista e já fez várias incursões pela região, por fim me presenteou com o mapa e ficamos de manter contato por email. Muito obrigado ao Roberto pela atenção e pelo presente. Mucuge Uma vez com o mapa consegui ter uma visão mais ampla da Chapada. Eu poderia ter entrado em Ibicoara e ter vindo a Mucugê por uma estrada de chão que corre pelo pé da serra. Existe neste local uma enorme represa que alimenta as plantações irrigadas e um numero muito grande de rios. Amanha vou comprar mais previsões e vou seguir para Andaraí por estrada de chão, passarei pela vila de Igatu que era um antigo garimpo, pretendo acampar pelo caminho e em alguns dias chegarei a Lençóis. **19-07-10 Mucugê – Igatu-BA** Embora tenha acordado cedo não consegui sair de Mucuge na parte da manha. O Banco não abasteceu o caixa eletrônico e a lotérica não tinha ainda dinheiro. Também demorei em comprar os suprimentos, havia muito movimento na cidade. Foi bom porque encontrei novamente o Roberto Sapucaia e conversamos sobre as rotas do mapa. Estrada para Igatu Quando estava saindo no trevo da cidade avistei um andarilho que já havia passado duas vezes na estrada, na primeira vez eu parei pra conversar mas o vivente se mostrou muito arredio, já ontem quando eu passei por ele conversamos um pouco e lhe ofereci umas maças. Hoje ele ja foi bem amigável e paramos em frente de uma casa e conversamos por mais de uma hora. Segui caminho e almocei no posto e quando retornei a estrada o encontrei novamente, então caminhamos um bom pedaço em direção a Andaraí juntos. Desde que entrei em Minas não havia mais visto o pessoal que anda se rumo pelas estradas, pois são estradas de difícil caminhada. O seu nome é Francisco, me contou que depois da decadência do garimpo da serra pelada ele deixou a família e caiu no mundo. Relatou várias rotas com muitos detalhes, conhece até o RS, me contou que ano passado esteve no Acre e fez um grande trecho da antiga transamazônica. Neste trecho disse que existem grandes torres, talvez de comunicação de 40 em 40 km, que serve de abrigo para quem por lá esteja. Numa destas travessias ele encarou a noite e duas onças andaram nas suas pegadas por horas, até que uma entrou no seu caminho e teve que enfrentá-la com um pedaço de pau e até latidos de cachorro para espantá-la…eu fiquei impressionado com a história, e não tenho dúvida que o homem realmente passou por está difícil prova… As pessoas passavam e nos olhavam meio desconfiadas, o que estariamos fazendo naquela estrada…mais uma vez eu consegui transitar nestes vários estratos sócias desse no mundo e o nosso assunto fluía naturalmente… Numa das fortes descidas eu montei na bike e não o vi mais… Depois de vencer várias subidas bem íngremes cheguei na entrada para Igatu, . Foram 6 km de chão e pedra. A chuva e o frio trouxe recordação da serra gaucha. Já estava escurecendo quando cheguei na Vila de Igatu. Já de longe a vista é impressionante. Um pequeno vale e todas as casas em pedra. Ruinas do Garimpo Proximo a Igatu Igatu, é um distrito de Andarai, o vilarejo foi um dos principais áreas de garimpo desde de 1850, no alge teve mais de 6000 habitantes, e depois de 100 anos de exploração do diamante foi abandonada e hoje esta se reerguendo pelo turismo e possui pouco mais de 300 moradores. Logo na entrada vi uma placa; pousada e camping, entrei para conhecer. Fui recebido com muita atenção pelos proprietários, o Alain e a Juscilene da pousada Flor de Açucena (www.igatur.com), o lugar é muito aconchegante. Fiquei instalado na área de camping numa pequena toca com vista para a montanha. O Alain é natural da França e foi por muito tempo navegador e construtor de barcos, hoje está fixada aqui em Igatu. Tivemos um longo papo sobre o iatismo que é um dos meus assuntos preferidos, o qual tenho um pouco de experiência adquirida lá com o pessoal do clube Sava de Porto Alegre, velejando no nosso tão poluído e lindo rio Guaíba. Camping em Igatu **20-07-10 a 25-07-10 Igatu-BA ** Igatu - Andarai estrada real Já faz uma semana que estou em Igatu, estou com a barraca montada dentro de uma toca que fica nos fundos da pousada, tenho uma bela vista para o rio e serra. Deste que cheguei percebi um clima diferente por aqui, o que eu chamo de magia…parece algo meio maluco, mas é coisa que foge mesmo do entendimento lógico e não tem explicação… No primeiro dia que fiquei aqui, sai pra conhecer a cidade logo depois do café e da costumeira e boa conversa com o pessoal aqui da pousada. Passei pelo centro do vilarejo e pela igreja, indo mais a frente existe algumas das várias ruínas do tempo do garimpo. Quando eu percebi já estava no meio da trilha que leva em direção a cidade Andaraí. Esta trilha é um pedaço da antiga estrada real, o que me chamou a atenção foi as marcas, trilhos, nas pedras. No final da trilha acessei o asfalto e como estava já sem dinheiro resolvi ir até Andaraí, sai no asfalto e facilmente consegui uma carona de moto até a cidade que já é bem mais agitada que Mucugê. Voltando da Trilha Não quis me demorar por lá, perguntei ao motorista de um ônibus escolar se havia alguém indo pra Igatu, ele de pronto respondeu; - Suba que eu te deixo lá. Era o transporte dos estudantes… e isto aconteceu na exata hora que o ônibus estava partindo… Neste mesmo dia, na parte da tarde, fui conhecer o caminho para a trilha do Cain que possui uma vista do vale do Paty, mas estava tarde e aproveitei para passear pelo entorno da cidade…. A noite fui até ao bar do Chiquinho que é um dos guias mais experientes da região…o cara é daquelas figuras que parece existir somente nos documentários, de uma simplicidade extrema, acaba cativando a todos… O Guia Chiquinho mostrando batatas da serra …em menos de uma hora de conversa parecia que já nos conhecíamos ha anos, me mostrou vários livros e trabalhos científicos sobre a Chapada realizados por pessoas que ele guiou, inclusive uma edição da revista terra, todos com dedicatórias. Neste mesmo dia marcamos uma trilha para uma rota nova, onde segundo ele foi feita somente por duas pessoas. Estas trilhas são antigas rotas de garimpo que volta e meia ele redescobre. No final da noite pra fechar a minha ronda pela cidade, passei novamente na recepção da pousada e fiquei horas conversando com o Alain e a Juscilene que são pessoas com uma rica história de vida e que também foram contagiados pela magia de Igatu. Agora que estou ha mais tempo aqui, vejo que é muito comum encontrar pessoas que vieram para passear e firmaram moradia. No outro dia saímos bem cedo para a trilha do Pico da Serra Alta, eu o Chiquinho e quatro cães, dois deles bem novos ainda em treinamento na mata. Passamos em umas das casas que o Chiquinho cuida a maioria delas de pessoas que moram em outros estados e até fora do Brasil. Logo nos embrenhamos no mato e começamos a subir, o Chiquinho me apresentou várias plantas e ervas, explicando a utilização de cada uma, arrancou do pé de um arbusto que aparentemente parecia sem fruto enormes batatas, que costumam fazer salada sem cozinhá-las. Depois de quase 2 h de caminhada chegamos perto do topo, o platô estava um 30 m acima, duas águias pairavam em nossas cabeças, eram enormes. A vista era de tirar o fôlego, com facilidade enxergava todo o vale de Igatu, a cidade de Andaraí e ao longe, talvez uns 30 km em linha reta um pequeno ponto, Lençóis. Neste local dois cães não conseguiram subir, Chiquinho me perguntou se eu estava disposto a abrir um caminho até o topo por uma fenda lateral. Passamos por uma pequena abertura entre as rochas, os cães ficaram para trás…lá em cima a vista era ainda mais bela…a empolgação não era só minha, embora Chiquinho viva aqui pude perceber a euforia dele em ter acessado aquele local, tanto que na hora de descer ele ficou uns 5 min procurando a saída, como conhece muito o seu oficio achou o nosso rastro na vegetação amassada, se eu estivesse sozinho teria me perdido em poucos metros da trilha principal, isto é muito fácil de acontecer. Pico no Alto da Serra A descida já foi bem mais rápida, retornamos por um caminho diferente e no final tomei um bom banho na cachoeira. Foi um passeio totalmente novo pra mim, a sensação de liberdade é fascinante, aqui não existem cercas ou porteiras, e é possível acampar aonde bem entender. Ao longo da trilha as marcas do garimpo estão por todos os lados, grandes rochas totalmente trituradas e tocas de garimpo que serviam de moradia, vestígios de quem viveu ha muito tempo por estas paragens. Mais um belo visual da região Fiz uma viagem no tempo e refleti sobre a realidade destes homens que aqui chegaram em busca dos diamantes, um local inóspito, selvagem de difícil permanência…além da oportunidade de acumular riqueza o que mais passava pela cabeça destas pessoas…haveria espaço para contemplação da natureza, ou melhor, qual era o conceito de natureza na época… Sempre Viva Na quinta-feira pela manhã não mais passava pela cabeça ir embora tão cedo. Resolvi voltar a Mucugê e conversar mais um pouco com o Roberto Sapucaia sobre possíveis rotas da região. Depois do café avisei o pessoal sobre a rota que seguiria, por segurança é sempre bom deixar alguém a par do seu paradeiro e previsão de retorno. O pessoal me contou que certa vez uma estrangeira saiu para a mata e passava das 10h da noite e ainda não havia retornado, o pessoal fez uma força tarefa e começaram a percorrer as trilhas dos arredores, lá pelas tantas ela apareceu bem tranqüila e se surpreendeu com a preocupação de todos com a sua segurança, pois pra quem é de fora chega ser estranho o tratamento tão acolhedor do pessoal daqui. Outra preocupação por aqui são as onças que seguido atacam animais no campo e pouco tempo atrás foram vistas bem perto do vilarejo. A Trilha para Mucugê foi fácil de achar e o trajeto passa por dois vales. Forma duas horas de caminhada forte, embora tenha parado algumas vezes para contemplar o visual. No topo do vale quase no final da trilha existe um enorme platô onde dizem ter ocorrido avistamentos de discos voadores, isto realmente foi bastante falado pela mídia. Trilha em Mucuge Quando cheguei no asfalto restava ainda 12 km até a cidade, na terceira tentativa pedindo carona parou o Rogério que trabalho no Banco em Mucugê, por coincidência ele já morou em Porto Alegre. Uma vez na cidade almocei e depois encontrei com o Roberto Sapucaia, que me indicou o melhor caminho para o vale do Paty, partindo de Andaraí, me recomendou não descer o cânion do Cain que é muito bonito, selvagem e um tanto perigoso de seguir sozinho sem um guia experiente. São dois dias viagem até o vale do Paty, com um acampamento no mato, é necessário fazer fogo para passar a noite, cruza pelo rio da onças e não é por acaso que tem este nome…o Chiquinho me falou que quando guia por este lugar dorme com um olho aberto alimentando o fogo e com a facão na mão… Na volta para Igatu novamente consegui uma carona numa velha bandeirante só na prancha, e na entrada para igatu logo no começo da estrada de chão peguei carona com um pessoal da vila. Cheguei bem cansado, mas não deixei de fazer a minha ronda. No bar do Chiquinho, encontrei um casal muito simpático de Salvador, o Pedro e a Espença, depois que passaram dois meses aqui em Igatu voltam sempre que possível ao vilarejo. Eles fazem cinema e trabalharam no filme ‘’o homem que não dormia’’ filmando aqui na vila, o Pedro é gaucho e nos achamos muito na conversa sobre musica, pois ele foi baterista de algumas bandas dos anos 80 as quais gosto e acompanho até hoje. Embora tenha dormido mais tarde e tenha tomado alguns remédios que são vendidos no bar do Chiquinho , na sexta-feira acordei bem cedo e fui falar com o Rafael que tem uma escola de escalada, pois havíamos combinado uma brincadeira de escalada com um grupo que esta aqui também a passeio. Acabou ficando para a tarde a escalada, foi muito legal, eu nunca havia feito escalada, somente descidas de pedreiras com corda, rapel, que uma das técnicas utilizadas na escalada. Fizemos o exercício aqui perto do vilarejo, local chamado labirinto, que hoje já tem mais de 100 vias de escalada. Consegui fazer o nível 4 e 5 , já no 6 faltou técnica e energia, mais foi muito legal a experiência, e talvez outra hora eu faço um aprofundamento nesta modalidade esportiva, que agrega muita determinação, controle psicológico e vontade de superar obstáculos. Na noite fui até a pizzaria que haveria uma apresentação de musica. Acabou que o publico foi pequeno e não houve musica, quem iria tocar é o Lula Gazineu, musico de Salvador que tem casa por aqui, fiquei conversando com ele bastante me contou que em Igatu existia a pouco tempo atrás o festival de inverno e que muitos cantores famosos em nível nacional já estiveram por aqui, por fim ele me presenteou com o seu novo cd. No sábado foi o primeiro dia que não fiz nenhuma atividade física, foi bom para repor as energias, fiquei pela cidade conversando fiado com o pessoal da vila e um casal que está aqui na pousada pra praticar escalada na região. Hoje, domingo, não havia terminado o café e o Chiquinho apareceu me convidando para acompanhar um grupo que ele iria guiar até a nascente do rio laranjeiras. Desci rápido pequei a bolsa e os encontrei no caminho. Uma turma bem animada, são biólogos da faculdade da feira de Santana, estavam conferindo os pontos da nascente e coletando amostras. Conversamos bastante, aprendi muitas coisas com o pessoal e fiz novas amizades, assim são as coisas por aqui, cada dia uma nova história. Escalada **Em Igatu - BA dias 26 - 07 até 05 - 08** Faz três semanas que cheguei a Igatu, a sensação é que já moro no local a muito tempo, conheço várias pessoas pelo nome, fiz grandes amigos, e de certa forma a minha história já faz parte do dia a dia da cidade, muitas pessoas me chamam de ‘’o ciclista’’… Local do Acampamento Nestes últimos dias rolou vários eventos, vou relatar alguns, mas não tenho mais condições de precisar o dia ou data, não diferencio mais o domingo da segunda-feira, aqui simplesmente acordo e vivo intensamente um dia de cada vez, sem planejamento ou preocupações. Como onde estou instalado aqui na pousada e camping acabei conhecendo várias pessoas que chegam aqui com o mesmo espírito de curtir a boa energia da Chapada. Outra questão que me segurou aqui é a amizade que firmei com os donos da pousada e com o Chiquinho que é uns dos guias de Igatu. Acabou que sempre que ele guiava turistas me convidava para acompanhar o grupo e auxiliá-lo na limpeza de algumas trilhas que são velhos caminhos de garimpo na mata. Numa destas saídas passamos dois dias fora, na primeira tarde nosso objetivo foi abrir uma nova rota até a boca de uma gruna, que é uma caverna trabalhada pela mão dos garimpeiros. Esta gruna é uma das várias cavernas que estão sendo estudas pelo pessoal da universidade Federal de São Carlos, que já descobriram novas espécies de peixes e escorpiões. Iríamos pernoitar numa toca no final da trilha perto da entrada da caverna, mas quando chegamos na parte baixa do vale junto a uma córrego , já no final da tarde, não havia nem um pingo d’água…tínhamos duas opções, voltar para Igatu, ou seguir até uma outra trilha e acampar na margem do rio Piaba. Resolvemos ir até o rio, mas não havia uma trilha definida, como o Chiquinho conhece muito o local pegamos um atalho por cima de um lajedo…teve um momento que tivemos que escalar algumas rochas e pular uma fenda entre as pedras de um pouco mais de um metro de largura, mas com vários metros de profundidade, quando eu me preparava para tirar a mochila para aliviar peso o Chiquinho já estava do outro lado, o cara é muito ágil e rápido, mesmo eu estando num ótimo condicionamento físico tive que apurar o passo para acompanhá-lo. Rio Piaba O sol estava se pondo entre as montanhas e seguíamos pela mata fechada, entre ruínas de garimpo e antigos pomares…já estava escuro quando chegamos as margens do rio com muita correnteza. Nos Instalamos debaixo de uma enorme pedra e fizemos fogo e tratamos de fazer comida e catar mais lenha para manter o fogo à noite. Aqui nesta região é imprescindível manter a fogueira acesa para espantar visitas indesejáveis, cobras, lagartos, sem falar nas onças que já comeram vários animais ao redor do vilarejo… Foi uma noite incrível, fiquei horas olhando o céu estrelado, mais tarde a lua apareceu e deixou o paredão de pedra todo iluminado… Acordei várias vezes na noite, estranhei a falta do meu colchão, mas acordei bem disposto. Deixamos as mochilas no acampamento e fomos em direção a trilha do dia anterior mas por um caminho diferente com a intenção de interligar as rotas. Passamos por um lugar com várias ruínas, casas de pedras ainda bem conservadas, montes de cascalho por todos os lados. Quando subi no topo de uma rocha consegui ter uma idéia mais ampla da devastação que o garimpo fez naquele local…mais adiante entramos na mata e encontramos um grande amigo do Chiquinho, o Rafael, ambos foram garimpeiros e me contaram várias histórias, e eu brincando falei para o Rafael que queria passar alguns dias ali revirando o cascalho em busca de um pequeno diamante, ele respondeu; - Moço, o diamante tem vida, quem meche com ele não dorme, não come, não tem mais sossego… Chiqueinho e Rafael Estes dois dias no meio das ruínas na companhia do Rafael e do Chiquinho, foram o bastante para me deixarem impressionado com a história de vida deles que se funde na história do próprio garimpo. A exploração pelo patrão do garimpo, que financiava a atividade e que no final das contas se apropriava da maior parte da riqueza. Garimpo Quando retornamos deste acampamento o pessoal da universidade de São Carlos já estava na pousada. No outro dia bem cedo lá fomos nós em direção a trilha aberta que dava acesso a gruna. A princípio eu não iria entrar, tenho fobia de lugares fechados e evito até mesmo andar de elevador….mas a curiosidade foi maior que o medo. O trabalho de estudo nestas cavernas envolve um risco bastante grande, são cavernas que não são mapeadas e de difícil acesso. Entramos num grupo de seis pessoas, o Chiquinho e o Rafael eram os guias, eu fiquei surpreso com a facilidade com que eles se deslocavam lá dentro. Passamos por fendas bem pequenas, muitas vezes com várias pedras soltas e amontoadas sobre a passagem. Passamos por áreas amplas, salões enormes, interligados a outras áreas por vias de teto baixo, onde passamos gatilhando. A umidade e o calor é muito forte, mas o que mais impressiona é a escuridão, uma vez sem a luz das lanternas não se dá um passo a frente. Passamos das 10h até quase as 3h da tarde no subsolo, o Chiquinho depois me falou que chegou a voltar na entrada da gruna para verificar o tempo, pois uma forte chuva poderia inundar o local com muita rapidez. O Rafael nos contou que ficou preso neste mesmo local numas das galerias superiores, no tempo que era garimpeiro, passou fome e ficou no escuro por quase um dia esperando a água baixar … Foi uma experiência nova para mim, venci o medo de locais fechados, mas confesso que não fiquei com vontade de repetir o passeio. Pinturas Rupestres Neste meio tempo entre passeios perto da cidade e alguns mais longos, conheci na pousada a Isabela e o Victor que são de Campinas e vieram escalar alguns pontos na Chapada. Aprendi várias coisas sobre escalada com eles, passamos vários dias conversando e fazendo algumas trilhas juntos. Já nestes últimos dias fiz um passeio de carro pela Chapada, saímos para ir até Mucugê, e acabamos indo até o Guiné, que fica do outro lado do parque… visitamos uma enorme fazenda de um amigo do Lula, mas não encontramos o dono…resolvemos esticar até o vale do Capão que depois de Lençóis é um dos lugares mais badalados. Acabamos pernoitando por lá…é um lugar totalmente diferente de Igatu, na verdade todas as vilas e cidades que compõem a Chapada são muitos distintos, cada um tem a sua peculiaridade. Capão é bem maior, e o acesso é por estradas de chão, tem muito estrangeiro lá, a maioria dos moradores vieram de fora, é possível encontrar pessoas do mundo todo…tem um galera alternativa estilo rippe…recentemente teve um festival de jazz na vila que atraiu muita gente da região. Na noite que estivemos por lá choveu bastante, ficamos passando de bar e bar tomando vinho. Fizemos amizade com um casal que estavam trabalhando num romance que teria a vila com pano de fundo… depois aconteceu uma cena muito engraçada, chegou no bar dois caras a cavalo, um deles discutiu com alguém, já estava bastante alterado…antes de haver mais confusão o seu amigo o pegou com quem pegava um saco de batata e passou com ele nas costas por dentro do bar descendo a escada e o jogou no lombo do cavalo….lá pelas tantas ele voltou…o dono do bar amenizou a situação e resolveu fechar a porta principal, nos ficamos escorados no balcão dando risada…novamente esse cara que estava criando confusão entrou pela porta lateral e ficou aquele entrevero lá dentro…mas no final da brincadeira já estavam até bebendo novamente e tudo se resolveu. Vale do rio Paraguaçu Foi bem esse tour, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais da Chapada sem sair de Igatu. Como o meu tempo está se esgotando, vou finalizar A minha viagem pela região indo até o vale do Paty, que é o centro do parque, região ainda muito isolada, sem estradas, somente trilhas. Vale do Rio Paty Minha vontade era ir pelo cânion do rio paraguaçu e paty, mas nesta época não é aconselhável devido as chuvas que acorrem na cabeceira dos rios e que podem aumentar rapidamente o nível da água no meio do vale… Marcelo nas Margens do rio Piaba Pra fechar as trilhas por aqui fui até um dos locais mais visitados aqui em Igatu, a rampa do Caim, onde é possível ver todo o vale do paty,e a junção do rio paraguaçu e paty, fui eu e o Adrian que estava aqui na pousada. Até lá forma duas horas de caminhada, subindo…resolvemos descer o cânion, foi mais uma hora de descida muito forte pela a encosta…a água do rio é extremamente fria e a correnteza muito forte…ficamos lá embaixo por uma hora e voltamos pelo mesmo caminho, foi uma subida muito difícil, que durou mais de uma hora…mas a vista foi recompensadora, o local parece muito com o cânion do Itaimbezinho…chegamos em Igatu já escurecendo depois de mais de 6h de caminhada. Em Igatu Lula, Chiquinho e Marcelo **Igatu – Vale do Paty – Vale do Capão – Lençóis - BA de 06/08 a 18/08** Os dias foram passando e eu me sentia cada vez mais em casa em Igatu, mas se aproximava a hora de partir. Resolvi pegar uma carona com o meu amigo Lula que estava indo para Salvador, aproveitei para despachar um pouco da minha bagagem e me desfiz de várias outras coisas, inclusive a minha bike que ficou com o Chiquinho em Igatu. O objetivo agora era conhecer o vale do Paty levando somente o necessário, basicamente a mochila e o saco de dormir. Na Trilha entre Andarai e Vale do Paty No domingo dia 8 de agosto parti para Andaraí, depois de 20 dias percebi o quanto havia me identificado com várias pessoas no vilarejo. Foi difícil me despedir dos meus novos grandes amigos. A última pessoa com quem falei naquele dia foi justamente o Alain da pousada Flor de Açucena, meu primeiro contato em Igatu, me desejou felicidade na continuidade da minha viagem rumo ao Sul, segundo ele não existe o retorno, pois seguimos sempre em frente na jornada da vida. Vou sentir saudade de toda a turma, expresso aqui o meu muito obrigado pela acolhida e pela atenção, um grande abraço a todos, levo comigo um grande aprendizado e um pouco da magia de Igatu. Vale do Paty À noite em Andaraí foi muito ruim, a cidade tem um forte movimento noturno e estava muito quente sem falar nos mosquitos que tiraram o meu sono. Logo que amanheceu fui procurar o pessoal do Paty, que chegam para a feira em Andaraí. Conversei com o seu Jóia, que é um dos nativos do vale que estão preparados para receberem visitantes. Ele retornaria ao Paty somente na terça feira. Resolvi seguir sozinho para o vale. Parti logo depois das 9h, segundo me informaram a trilha estava muito batida, seria uma caminhada em torno de 5h. Estava um dia bastante quente e estranhei o peso da mochila, tomei então como estratégia apurar o passo e evitar o incômodo da mochila. O trajeto é todo em subida, bem gradual, mas bastante desgastante. Fiz apenas uma parada de não mais de 10 minutos, depois de duas horas e meia de caminhada já avistava o vale do Paty, iniciando a forte descida da ladeira do império. Foi mais uma hora de caminhada descendo a encosta do vale, a descida acaba sendo muito mais desgastante que a subida, força muito a articulação dos joelhos. Facilmente encontrei a primeira casa, a do seu Jóia. Conversei com a sua esposa, mas como era muito cedo não passava da 1h da tarde, resolvi seguir em frente em direção a casa do seu Eduardo. Passei pelo rio Paty, cruzando por pontes improvisadas com tronos de arvores que as cheias do rio volta e meia arrastam. Parei em frente a uma casa com um belo gramado no pátio, a porta estava semi aberta, bati palmas, mas ninguém apareceu. Deitei no gramado para descansar e acabei adormecendo. Passava das 3h e ainda não havia feito contato com os moradores. Consultei o mapa e fui rumo ao ponto chamado de Prefeitura. Na continuidade da trilha havia dois cães com uma cara nada amigável, voltei um trecho e atravessei um, riacho cortando caminho na mata, com um pouco de atenção logo achei a trilha na outra margem. Mais a frente se apresentou várias bifurcações e pequenas porteiras. Aleatoriamente escolhi um dos caminhos e percebi que havia movimento de moradores. Chegando a uma pequena casa encontrei um casal de turistas a dona da casa e um guia que vinha do Paty de cima, região mais alta do vale. Perguntei a ele sobre o caminho até a prefeitura, informou que estava retornando para casa e que passaria por lá, e que eu poderia acompanhá-lo. Era o João, filho da dona Raquel que também recebem visitantes. Em menos de uma hora de caminhada muito forte chegamos a Prefeitura, que é uma pequena casa, a referencia talvez seja do tempo que o vale abrigava mais de dois mil moradores, hoje não passa de cinqüenta. Neste local avistasse de frente o morro do Castelo, ou morro das cabras que é o nome mais antigo. Resolvi seguir até a casa da Dona Raquel, forma mais 45 min de caminhada, neste trecho nos deparamos com uma pequena mais venenosa jararaca, que estava bem no meio da trilha e dali não arredou, passamos ao largo desviando caminho. Aqui é necessário mais atenção e cuidado aonde pisar. Dona Raquel e Familia No meu terceiro dia no Paty chegou um grupo de turistas franceses, o fluxo no vale é muito grande e nas trilhas era muito comum encontrar grupos principalmente estrangeiros. Fiz amizade com o guia deste grupo, o Waldemar. Ele me convidou para acompanhá-los em algumas trilhas e, mais para o meio da semana fiz amizade com dois rapazes que também chegaram ao Vale sem guia, coisa que causava bastante espanto aos nativos e aos turistas. Fizemos algumas trilhas no decorrer da semana e no final da noite sempre sobrava disposição para fazer um forró, com o João na Sanfona e um violão que passava de mão em mão. Numa das noites acompanhei o Guilherme até a mata para buscar um caixa de abelha, foi uma passeio muito legal, o céu estava branco de tanta estrela. O Guilherme é de Salvador, morou um tempo numa comunidade alternativa no Vale do Capão e hoje mora com a Dona Raquel ajudando nos diversos afazeres. Morro do Castelo A semana transcorreu muito rápido no Paty, já estava muito ambientado e havia me integrado a rotina da casa, sentia mais uma vez que recebia um tratamento diferenciado, pois não me tratavam como turista, creio que isto se dá em função do caráter aventureiro da minha viagem. A vontade foi de ficar mais uma semana por lá, mas o meu tempo esta se esgotando, aproveitei o embalo dois grupos de turistas e segui rumo ao vale do Capão, via a trilha dos gerais do rio preto, caminho pela parte de cima do Vale, com uma vista incrível das montanhas, uma vez vencida a maior subida, a rampa, o caminho é todo plano até a entrada do vale do Capão. Foi outra despedida difícil, o vale é muito envolvente e as pessoas que lá moram mais ainda. Todos que chegam por lá se sentem de certa forma vitoriosos por terem encarado uma trilha tão pesada, seja lá o caminho escolhido, por Andaraí, Capão ou Guiné, é um dia de caminhada até o centro do Vale. Mas refletindo um pouco sobre a realidade local, percebi que os verdadeiros heróis são os próprios nativos que resistiram há vários anos de isolamento, enfrentando uma serie de dificuldades, principalmente a questão do deslocamento, pois como falei para a Dona Raquel, as pessoas não param para pensar como todos aqueles utensílios da casa foram parar lá…panelas; móveis; porta; etc… Nesta conversa ela me relatou que para trazer uma geladeira que hoje funciona graças à energia solar foi necessário dois dias e 15 homens. Não há duvida que o turismo trouxe uma grande melhoria na qualidade de vida dos moradores do Vale, mas o impacto desta atividade ao meio ambiente é algo inevitável e visível, uma prova disto é que em vários locais de parada os pássaros literalmente comem na mão dos turistas que teimam em alimentar os animais, comprometendo o equilíbrio natural do parque. Na Trilha do Cachoeirão O caminho do Paty até o vale do Capão somado aos dias de trilha dentro do vale foi muito pesado para a maioria dos turistas. O último grupo finalizou a trilha já no escurecer do dia, o que eu percebi que em função do pacote que é previamente estabelecido entre as partes, agencia e turista, as pessoas se sentem escravas deste roteiro e ficam esgotadas com o ritmo das caminhadas, ou seja, se deixam levar pelo consumismo, seja de um bem ou serviço prestado, ao passo que poderiam fazer um programa bem mais adequado as suas condições físicas e disposição de tempo. Gerais do Rio Preto No sábado já no vale do Capão reencontrei os meus amigos trilheiros do Paty, o Jader e o Luandro, que também haviam chegado por lá por conta própria, eles estão na estrada a mais de um mês e andaram bastante pelo nordeste. Fomos juntos até a cachoeira da fumaça, uma caminhada prevista para 2h,mas que fizemos voando em pouco mais de 1h. Encontramos por lá um dos grupos que estavam na Dona Raquel, estavam seguindo para a trilha chamada fumaça por baixo, são três dias de caminhada que levam ao pé da cachoeira, que tem 380 m de queda, passando por outras quedas d’água, a cachoeira do Palmital, que é bem menor mas não menos linda e por fim a trilha chega a cidade de Lençóis. Passamos à tarde do sábado na parte de cima da cachoeira, como iríamos também para Lençóis, o Luandro teve a idéia de fazermos a mesma trilha do grupo, mas teríamos um dia a menos. Cachoeira da Fumaça vista por baixo Cachoeira da Fumaça vista por cima. No final da tarde descemos para o Capão e preparamos o material pra encarar a trilha. Na descida da fumaça levamos um grande susto, eu puxada a frente, caminhávamos muito rápido e conversando, estávamos ainda na parte plana bem no começo da trilha, área que é chamada de lajedo, percebi algo se mexendo atrás de uma pequena moita, quando fui levar a perna a frente travei a passada e meio desajeitado dei um pulo pro lado, tentei falar algo mas a voz não saiu…nos deparamos com uma enorme cascavel…estava enrolada e elevada do chão uns 30 cm pronta para o bote…chegou a esboçar o ataque…devia ter em torno de 1,5 m, linda e perigosa, com um chocalho de mais 10 cm…senti o coração querendo sair pela boca….nos afastamos um pouco, e passado o susto inicial ela foi aos poucos se embrenhando na rala vegetação. Trilha Cachoeirão por Cima No domingo partimos do Vale do Capão assim que amanheceu, passava um pouco das 6h. Subimos novamente a cachoeira da fumaça, baseado em informações que colhemos com os guias locais e consultas no mapa fomos seguindo a trilha descendo o vale. Acabamos nos perdendo da trilha principal. Entramos numa antiga trilha que não levava a lugar algum, devia ser alguma trilha antiga de garimpo. O local era de lajedo, onde é fácil perder a trilha, pois deixa pouca evidencia do caminho a seguir. Demarcamos o local com as mochilas no alto de uma pedra, assim não perderíamos a referencia. Ficamos por mais de uma hora vasculhando o local e não achamos o caminho. Tínhamos duas opções, seguir um córrego que parecia ser o caminho pela fenda que leva para dentro do vale, mas seguindo nos informarão é muito perigoso e de difícil acesso ou retornaríamos ao Capão. Resolvemos descer o córrego e analisar o grau de dificuldade. Andamos por volta de mais 1h e percebemos que havíamos retomado a trilha principal, pois o fluxo por lá é bem intenso o que deixa a trilha muito batida. Descemos a ladeira do macaco escorregando pelas pedras, num dos trechos um grupo que vinha no sentido contrário achou que estávamos participando de uma corrida de aventura, visto a rapidez que descíamos. Antes do meio dia alcançamos o primeiro acampamento onde o grupo havia pernoitado. Neste ponto deixamos as mochilas e nos dirigimos ao pé da cachoeira da fumaça. A mata é bem fechada, andávamos como uns macacos, pulando ganhos e pedras, o tempo que trilhei em Igatu acompanhando o Chiquinho me deu um grande noção na ‘’leitura das trilhas’’, às vezes necessário analisar pequenos detalhes, como um corte antigo nos arbustos, ou um rebaixo no terreno para assim determinar o melhor caminho. Como estávamos entre dois ficou mais fácil se orientar e rapidamente achávamos o caminho certo quando a trilha se apagava ou desviava. cachoeira Vale do Paty Visual da Trilha no Vale do Paty O local onde a cachoeira deságua é muito bonito, formasse um grande poço alimentado pela água que se dissipa na decida, parecendo uma fumaça…Nofinal da tarde curtimos um bom banho no rio e acampamos junto com o grupo. Logo que amanheceu resolvemos seguir caminho e deixamos o grupo para trás. Por volta das 9.3h avistamos a cidade de Lençóis, mais uma hora de caminhada estávamos na cachoeira do Ribeirão onde aproveitamos um bom banho. Cachoeira do Funil Bem próximo a cidade de Lençóis existe várias trilas, mas a minha energia estava esgotada, decide ficar mais dois dias na cidade descansando e curtindo passeios urbanos. Na terça feira as 11.3 h da noite peguei o ônibus para Salvador, me despedindo da Chapada da Diamantina. Cachoeira Palmital **Salvador-BA - Porto Alegre-RS 19, 20 e 21 de agosto.** Passei três prazerosos dias curtindo Salvador na companhia do meu amigo Lula, que foi meu anfitrião. O encerramento da minha pequena grande viagem foi em grande estilo, tendo eu o privilégio de assistir a apresentação do grupo ‘’Mandaia’’, o qual o Lula é vocalista e produtor. O grupo se apresenta toda as quinta feira na varando do Sesi. Foi um show e tanto, embora sendo um grupo de choro, a proposta vai muito além, trazem no seu repertório muito samba de roda e baião. Fica aqui o meu agradecimento ao Lula e a todos os seus amigos que me receberam com tanta atenção. Mas depois de alguns milhares de quilômetros percorridos, nas mais diversas modalidades de deslocamento; bike; ônibus; carro; trem; camionete, a pé, totalizando 93 dias na estrada, chegou à hora de voltar para casa. No dia 21 de agosto as 9h depois de uma rápida viagem de avião me encontrava novamente em solo gaúcho. A recepção ficou por conta do frio, pois fiz questão de não avisar ninguém. Queria curtir a reentrada da mesma forma que parti, em silêncio e sozinho. Hoje já fazem mais de dez dias que estou em casa e ainda não foi suficiente para baixar a poeira e possibilitar uma reflexão mais abrangente da viagem. Mas tenho ciência que ficaram muitas e boas recordações, principalmente dos grandes e novos amigos. Por mais que eu tenha admirado deslumbrantes paisagens estes incríveis lugares que conheci não passaram de pano de fundo, assim como uma tela para uma bela pintura, o que fez a diferença foram as pessoas com a qual interagi ao longo da travessia, foram eles que me ajudaram a escrever cada pagina do meu diário, enriquecendo a cada dia a minha história. Salvador Posso também afirmar que as poucas pretensões que tinha ao partir foram alcançadas e até superadas, nestes três meses, consegui deliberar sobre o meu tempo e espaço, aproveitando cada minuto no seu devido momento, sem arrastar preocupações, sem programar nem ao menos um entretenimento. Também não poderia deixar de falar na experiência de vida e crescimento pessoal. Quando parti levei na minha bagagem a reflexão em torno da seguinte questão: A insignificância do ser humano como individuo frente à história da humanidade, ou seja, já se foram bilhões de vidas, milhares de anos, e a meu ver os indivíduos teimam em supervalorizar a sua razão de existir, ao ponto de até mesmo se sobrepor aos seus semelhantes, gerando tanta desarmonia. A minha conclusão sobre este questionamento ainda é muito incipiente, mas percebi que quanto menor é a visão de mundo do individuo que é fruto da sua experiência de vida, maior é a sua insegurança, maior o seu egocentrismo, que por conseqüência o torna tão indiferente frente aos problemas sociais e o próprio reconhecimento do outro. praia em Salvador Além disso, consegui realizar um misto de turismo, aventura e peregrinação. Mesmo não tendo levantado nenhuma bandeira por algum ideal em especifico, do tipo; paz, amor, meio ambiente ou outros modismos…senti que de alguma forma despertei nas pessoas um sentimento de superação, de esforço, de liberdade, demonstrando que vale a pena viver, questionar e até contrariar essa lógica de mundo tão globalizado e imbecilizado, onde vivemos como marionetes a mercê da grande mídia. De qualquer forma sinto que está viagem renovou a minha fé nas pessoas e a fé na vida. Por fim só tenho a agradecer a todas as pessoas que de forma direta e indireta me apoiaram no êxito desta empreitada, em especial aos amigos que me receberam em suas casas depositando em mim um voto grande de confiança. Um grande abraço a todos, faço votos de em breve voltar a revê-los. curtindo o visual, agora sentado no avião Agora o meu alento é trabalhar no projeto da próxima viagem e seguir o conselho de um grande amigo: “Marcelo, Tens razão, o mais difícil da viagem é dar a primeira pedalada. As outras são conseqüência […]. Desejo-lhe muita sorte e continue a sonhar. Isto faz muito bem ao físico e ao espírito. Abraços e bom domingo. Valdo” (Email recebido em 08/11/09).
Últimos Artigos
Córsega - Região Insular da França Vai pegar a estrada? Lembre-se de alguns cuidados antes de viajar Caminho do Sal - Paranapiacaba ARAXÁ - MG Nova Petrópolis - Jardim da Serra Gaúcha CAXIAS DO SUL - RS Natal Luz -Gramado- 2013 Almaviva - Vinícola nos arredores de Santiago - Chile Cousiño Macul-vinícola dos arredores de Santiago-Chile Concha y Toro - Vinícolas nos arredores de Santiago - ChileCategorias
Alagoas Amazonas Argentina Australia Bahia Ceara Chile Cicloturismo Dicas Ecologico Equipamentos Espirito Santo Europa Festas E Festivais Franca Gastronomico Goias Hotel Fazenda Mato Grosso Do Sul Minas Gerais Mochilao Monumento Museu Para Parana Passeios Pernambuco Peru Praia Rio De Janeiro Rio Grande Do Norte Rio Grande Do Sul Roteiros Santa Catarina Sao Paulo Sergipe Viagem De Trem Zoologico